“Quanto mais tenta afirmar sua virilidade, mais frágil a revela”
Em Pai, Pai, João Silvério Trevisan nos conta sua própria história dando bastante enfoque na sua relação tumultuosa com o pai.
João, o primeiro filho fruto do casamento de seu pai, um homem violento e completamente inserido no contexto da masculinidade tóxica e compulsória e de sua mãe, de origem mais humilde e que aguenta vezes sem contas os desgostos que o marido lhe traz.
Através de lembranças, memórias e diversas outras referências, João nos conta sobre como era a vida dentro da sua casa, naquela conjuntura, mas acaba falando sobre diversas outras famílias e filhos que se veem em situações similares.
A primeira coisa que é importante ressaltar no caso de Pai, Pai é que esse não é um livro de ficção, embora o autor já tenha escrito livros ficcionais, Pai, Pai funciona mais como uma autobiografia, ou talvez um conglomerado de memórias de Trevisan.
Começamos acompanhar a história a partir do nascimento do autor e de como a sua relação difícil com o seu pai é pautada desde os primeiros dias. José Trevisan, um homem tradicional não consegue se ver no seu primogênito, João e a reciproca é completamente verdadeira. O autor narra momentos da infância aonde os outros meninos da vizinhança se sentiam mais próximos de José do que ele próprio. Em um momento especifico, ele conta sobre uma peça que diversas pessoas, inclusive seu pai, pregaram nele, que fez ele se sentir humilhado e traído, uma vez que o pai não só não o avisou da peça, como também riu dele junto com os outros.
É engraçado notar que essa peça também é o ponto de partida para que João perceba que ele nunca vai conseguir ver no pai alguma semelhança com ele mesmo, já que, ele pensa, que nunca faria algo semelhante com seu próprio filho.
A narrativa se segue falando sobre a juventude de João, quando traços de sua personalidade vão ficando cada vez mais marcantes, e o diferenciando cada vez mais do pai. João decide estudar para ser padre, não porque tem amor pela batina, mas sim porque quer sair de casa e de perto do pai.
Conforme João vai ficando mais velho, ele vai se conhecendo mais e decidindo por vontade própria se tornar o mais diferente possível de seu pai, uma vez que ele condena boa parte dos comportamentos de José.
Pai, Pai acompanha seu protagonista até os dias de hoje, quando João já é um escritor consagrado e mesmo assim, ainda reflete sobre sua relação com seu pai, hoje já falecido e ainda recolhe cacos das brigas que eles tiveram por anos.
Acredito que o livro pode ser divido em duas partes: João tentando se enquadrar dentro dos modelos que José e o resto da sociedade esperam dele e João fugindo de todas essas expectativas e sendo ele mesmo. O ponto mais interessante do livro se dá quando João percebe que embora seu pai pareça um homem forte e extremamente convicto do que ele prega, ele é exatamente o contrário.
José é um homem frágil, que assim como cria seu filho, foi criado em um ambiente machista que não permite aos homens sentirem ou expressarem sentimentos, é por isso que qualquer movimento de João, que é mais sensível, soa para o seu pai como feminino e afeminado.
Seria muito fácil limitar as divergências entre João e José só na sexualidade de João, esse é um dos motivos pelos quais os dois não são entendem, mas não é o único. José, na realidade, vem alertando esse comportamento supostamente homossexual do filho bem antes que João perceba que de fato é homossexual. Os conflitos entre os dois são mais profundos que isso, uma vez que nem todos os comportamentos que José aponta no filho como homossexuais são obrigatoriamente homossexuais (Ainda mais considerando que não existem comportamentos homossexuais e sim comportamentos que são considerados homossexuais), são comportamentos diferentes do que José tem e que demonstram muito mais sensibilidade do que seu pai.
João, então percebe que o monstro da sua infância e o carrasco da sua adolescência é na verdade um homem assustado e perdido que não sabe lidar com a sua própria fraqueza ou sua própria delicadeza, incapaz de colocar seus sentimentos para fora e tão preso a definições ultrapassadas do que é ser homem, que ele mesmo nunca consegue ser completamente feliz. O autor se pergunta qual dos dois é mais “homem”: José, que nunca conseguiu ser ele mesmo ou João, que teve a coragem de mostrar quem ele realmente era mesmo que todo mundo lhe dissesse para fazer o contrário.
Pai, Pai também é um relato sobre a vida de João, e nos mostra ele descobrindo seu caminho e suas vontades para se tornar o homem que é hoje, é à sua maneira um romance de formação. Durante o crescimento de João acompanhamos outros eventos que são importantes a todos nós como sociedade, como a ditadura militar, que afeta João diretamente.
A ideia por trás do livro é analisar a relação de seu autor com o seu pai, mas Pai, Pai vai um pouco mais fundo, ele fala sobre masculinidade tóxica e como ela é prejudicial a todos: as mulheres que sofrem com os efeitos de anos e anos de criação masculina, como acontece com a mãe de João, aos meninos, que recebem esse tipo de criação e não questionam se essa é a maneira certa, mas que tendem a se comportarem como seus pais quando se tornam adultos, a menos que rompam esse círculo, e aos homens, de uma maneira geral, tão presos nisso que adoecem sem conseguir colocar para fora o que sentem, na tentativa de parecerem mais fortes.
É importante dizer que autor escreve o livro sem raiva do pai, embora ele possa ter saído desse lugar, fica claro durante a leitura que enquanto escrevia o livro e repensava sua relação com seu pai, João finalmente entendeu quem era José e quais eram suas limitações, o que João pode fazer com tudo isso é tentar ser diferente.
Título no Brasil: Pai, Pai
Título original: Pai, Pai
Autor: João Silvério Trevisan
Gênero: Autobiografia, drama, não ficção
Ano de lançamento: 2017
Editora: Alfaguara
Número de Paginas: 252
Foto: Fernanda Cavalcanti
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