“Toda carta é uma carta de amor”
Chris Kraus é uma cineasta independente e feliz no casamento, que um dia se sente incrivelmente atraída e acaba se apaixonando por Dick, um crítico cultural.
Com a ajuda do marido, Chris tenta seduzir Dick e quando ele passa a ignorar ela e o marido, os dois continuam escrevendo cartas para Dick e enviando um para o outro.
A primeira coisa que se deve dizer sobre Eu Amo Dick é que ele é um livro de auto ficção, a história narrada por Kraus de fato, aconteceu com ela. Dito isso, acho que é possível dimensionar todo o material que o livro carrega.
A sinopse de Eu Amo Dick pode soar como ficção, porque parece um tanto quanto estranho, para dizer o mínimo, que um marido esteja disposto a ajudar sua esposa a seduzir outro homem, sendo que os dois estão em um relacionamento monogâmico, e por isso mesmo, que Eu Amo Dick é um livro interessante.
O livro é narrado em primeira pessoa por Chris, que conhece Dick em uma festa e quase não consegue se controlar ao redor dele. No início, parece tanto para ela, quanto para o leitor que aquilo não passa de uma atração sexual, mas ao longo do livro fica claro que Chris está realmente apaixonado por Dick, a ponto de estar obcecada por ele.
O ponto de virada, no entanto, acontece quando o marido de Chris parece mais do que disposto a ajudar a mulher a conquistar Dick, no começo, mais como uma brincadeira, mas ao longo do tempo, de maneira tão séria quanto a esposa.
A partir disso, Chris faz diversos questionamentos, que acompanhamos em primeira mão, já que estamos lendo seus pensamentos. Ela se questiona sobre o seu casamento, sobre arte, cinema, literatura e passa pela sexualidade feminina.
Nesse aspecto, Eu Amo Dick é um livro atual e libertador, uma vez que fala sobre desejo feminino de maneira aberta, quebrando diversos tabus em relação a isso, como a ideia de que as mulheres gostam menos de sexo do que os homens ou que são menos visuais que os homens.
Mais tarde, quando Dick já tem conhecimento do interesse de Chris e da aceitação do marido dela, Dick começa a ignorar tanto a mulher, quanto o marido e os dois começam a escrever cartas para ele, que acabam sendo lidas um pelo outro e pelo leitor. As cartas são ainda mais pessoais do que a narração de Chris.
Eu Amo Dick é um livro extremamente pessoal, Chris não fala só de seus próprios sentimentos, mas de uma traição que foi “autorizada” pelo marido, de seu casamento, de sua relação com Dick, seus desejos e claro, do próprio Dick. É, resumindo, um livro extremamente ousado.
A escolha de título também é ótima! Em inglês, “Dick” tem um triplo sentido: apelido de Richard, nome do homem por quem Chris se apaixona, uma maneira de se referir ao órgão genital masculino (em português seria “Eu Amo Pinto”) e uma maneira de falar “babaca” (Eu Amo Babaca), que é o que Dick se revela ser ao longo do livro.
A leitura de Eu Amo Dick também é bem prazerosa, os primeiros capítulos são bem interessantes e me deixaram presa na história, ao longo do tempo, no entanto, o livro perde um pouco da sua força, especialmente quando acaba o mistério em relação a se Dick retribui a atração de Chris ou não.
A edição da Todavia, que é a edição disponível aqui no Brasil, vem com um prólogo escrito Eileen Myles, que faz seus próprios questionamentos sobre feminismo e o porquê do desejo das mulheres ser tão vigiado, repudiado e ignorado, o que dá ainda mais amplitude ao tema que Kraus aborda no livro.
Eu Amo Dick é sem dúvida um livro diferente, que aborda temas interessante e importantes, ao mesmo tempo que fala unicamente da vida de sua escritora.
Título no Brasil: Eu Amo Dick
Título original: I Love Dick
Autor: Chris Kraus
Gênero: Auto ficção
Ano de lançamento: 1997
Editora: Todavia
Número de Páginas: 288
Foto: Fernanda Cavalcanti
Além da Toca do Coelho 