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Adeus a Berlim, Christopher Isherwood

“Não adianta explicar ou falar de política. Ela já está se adaptando, como se adaptará a todo regime novo. Está manhã até a ouvi falando reverentemente de ‘der Führer’ com a mulher do porteiro. Se alguém lhe lembrasse que, nas eleições de novembro, votou nos comunistas, ela provavelmente negaria com veemência e de perfeita boa-fé. Está simplesmente se aclimatando, de acordo com uma lei natural, como um animal que muda de pele para o inverno. Milhares de pessoas como Frl. Schroeder estão se aclimatando. Afinal, seja lá o governo que estiver no poder, estão condenadas a viver nesta cidade”- Diário de Berlim (inverno 1932- 2).

Adeus a Berlim é uma coletânea de contos que se passam na Berlim de 1930. Os contos são focados em personagens da cidade, que cruzam o caminho de Christopher Isherwood, o escritor.

No livro, Isherwood fala sobre sua senhoria Fräulein Schroeder, uma família judia, chamada Landauer, o casal de amigos Peter e Otto e de Sally Bowles. Os contos não têm nenhuma grande reviravolta e na maioria das vezes retratam o cotidiano desses personagens e algumas situações que envolvem esses personagens e Isherwood. Por exemplo, no caso da família Landauer, acompanhamos Isherwood, que também é o narrador do livro em um jantar na casa deles, depois que ele conhece e começa a dar aulas de inglês para Natalia, a filha.

Alguns dos contos são apenas Isherwood falando sobre os seus dias em Berlim, mais ou menos como um diário, aonde esses personagens dos outros contos também fazem aparições. Aliais, como seria natural, uma vez que ele fala sobre pessoas que circundam a sua vida, os personagens de um conto, aparecem em outros, o que faz de Adeus a Berlim algo que fica entre um livro de contos e um romance. Os contos podem ser vistos como contos ou como capítulos e embora eles tenham sentido quando lidos separados, não surtem tanto efeito quanto quando estão juntos.

O conto mais interessante sem dúvida é o de Sally Bowles, que leva o seu nome, isso porque a personagem é muito divertida e extremamente moderna para a época em que a sua trama se passa. Tudo se torna ainda mais interessante quando sabemos que os personagens do livro são inspirados em pessoas reais.

O livro é escrito em primeira pessoa e narrado por um personagem que é o próprio Isherwood, a trama de Adeus a Berlim é de fato inspirada no período que Isherwood, um jovem inglês passou em Berlim. Em muitos aspectos, Adeus a Berlim se parece muito com Christopher and His Kind, livro autobiográfico de Isherwood, que também se passa em Berlim, no mesmo período e descreve os anos que o escritor viveu na cidade. Atualmente, sabendo da publicação da biografia de Isherwood, pode-se supor que Adeus a Berlim é a primeira tentativa do autor de falar sobre os seus anos em Berlim, sem se implicar necessariamente (Adeus a Berlim foi publicado em 1939 e Christopher and His Kind em 1976).

Quando se tem acesso aos dois trabalhos fica claro que eles tratam de temas muito parecidos, mas Christopher and His Kind é muito mais pessoal e claro. Por exemplo, em Adeus a Berlim, Isherwood até introduz dois amigos que se relacionam entre si, chamados Peter e Otto, mas não faz nenhuma implicação sobre a sexualidade do narrador (no caso, ele mesmo), enquanto em Christopher and His Kind, ele fala abertamente sobre o seu relacionamento com um rapaz alemão chamado Otto, que ele tenta levar para a Inglaterra quando sai de Berlim, o que faz a gente pensar que Peter seja o próprio Isherwood com outro nome.

Me parece natural que o autor faça isso, não só porque Adeus a Berlim é uma obra ficcional, e que no aspecto ficcional, o autor tem direito a fazer o que bem entende, mas também porque o livro foi publicado em 1939, durante a segunda guerra mundial e o próprio Isherwood lutou muito contra a sua própria sexualidade e teve dificuldades para vivenciar isso na Inglaterra, só conseguindo se sentir livre em Berlim. Berlim nos anos 30, era relativamente liberal e repleta de bares gays, por isso, pareceu uma opção óbvia para Isherwood.

Para longe do aspecto pessoal de Adeus a Berlim, tem também as questões históricas, a trama do livro se passa nos anos 30, um pouco antes da ascensão do nazismo, Hitler é um assunto que ronda o livro todo, seja nas discussões que o narrador tem com outras pessoas, seja na propaganda nazista que circunda Berlim, seja na possibilidade cada vez maior de sua eleição.

É então que Adeus a Berlim retrata um período histórico muito importante, o pré-guerra. A situação da Alemanha é narrada pelos olhos de um morador de Berlim e de outros habitantes, Isherwood era veemente contra Hitler e nem acreditava que ele iria se eleger, o que fica mais do que claro em Christopher and His Kind, mas não é tão claro quanto a isso em Adeus a Berlim, talvez porque em 1939, fosse um pouco complicado falar mal de Hitler tão abertamente, mesmo que você estivesse vivendo na Inglaterra.

Mas o que Isherwood retrata em Adeus a Berlim é algo que não pode ser reproduzido em um livro de história, por mais que se fale da Alemanha antes da segunda guerra mundial e se estude o assunto, não existe uma opinião tão contundente quanto a de uma pessoa que viveu e analisou o período. Embora não dê sua opinião claramente, Isherwood consegue falar sobre a opinião das outras pessoas, os Landauer são obviamente contra Hitler, uma vez que são judeus, enquanto Fräulein Schroeder começa o livro achando as ideias de Hitler um tanto quanto extremistas, mas acaba rendida a sua propaganda com o tempo.

A atração do país pela figura de Hitler também pode ser explicada pelas condições em que a Alemanha se encontrava na época e Isherwood consegue demonstrar isso bem, a sua senhoria conta que antes recebia hospedes ricos e que conseguia pagar empregadas para ajudá-la, mas nos dias de hoje, mal tem hospedes e precisa fazer tudo sozinha.

Esse tipo de observação faz de Adeus a Berlim um livro quase histórico, que retrata um momento importante pelos olhos dos habitantes do local.

Também é fácil se relacionar com o livro, a dualidade do período narrada por Isherwood, onde ele e seus amigos são claramente contra Hitler, mas os habitantes mais velhos parecem aceitar e muitas vezes concordarem com as ideias dele, pode fazer um eco bem claro com os dias de hoje no Brasil e com o clima de desavença que vem rondando a nossa política. É até interessante observar essa situação, se passando em outra época, em outro contexto e pelos olhos de outras pessoas.

Adeus a Berlim também serve para desmistificar a ideia que aprendemos na escola que durante um tempo, todos os habitantes da Alemanha estavam a favor de Hitler, uma vez que não só o autor é contra, como grande parte dos amigos dele, naturalmente que a maioria estava a favor, tanto que Hitler foi eleito chanceler, mas existiam as minorias contrárias.

A leitura do livro é rápida e muito divertida, além do tema, ser naturalmente interessante. Óbvio que alguns contos são mais interessantes que outros, mas isso é natural em um livro de contos.

Também é importante ressaltar que Adeus a Berlim foi o livro que inspirou a peça Im a Camera, que em 1955, virou um filme e que mais tarde se tornaria o musical Cabaret, levado ao cinema por Bob Fosse em 1972 e estrelado por Liza Minnelli e Joel Grey. Para os fãs de Cabaret, então, Adeus a Berlim é um livro quase obrigatório, uma vez que é a origem da personagem Sally Bowles, protagonista do musical e de outros personagens que aparecem na peça. Brian Roberts, o professor de inglês que chega a Berlim e se envolve com Sally é inspirado no narrador de Adeus a Berlim, que por sua vez é inspirado no próprio Isherwood.

Talvez Cabaret, nos dias de hoje, seja mais famoso que Adeus a Berlim, uma vez que o musical de fato transcendeu sua obra original, mas sem o livro, certamente não existiria o musical. Além do mais, Adeus a Berlim não só retrata as experiências do próprio autor, mas também retrata a Alemanha pré- segunda guerra e pode ser um interessante objeto de estudo. Independente disso, Adeus a Berlim é uma visão única sobre um período importante da história mundial.

Infelizmente, faz muito tempo que Adeus a Berlim, assim como boa parte das obras de Isherwood, não é republicado aqui no Brasil, e as edições que existem disponíveis no mercado são bem antigas e a compra se limitam aos sebos ou ao título em inglês.

Título no Brasil: Adeus a Berlim

Título original: Goodbye to Berlin

Autor: Christopher Isherwood

Gênero: Auto ficção, drama

Ano de lançamento: 1939

Editora: Círculo do Livro

Número de Páginas: 262

Foto: Fernanda Cavalcanti

 

3 comentários em “Adeus a Berlim, Christopher Isherwood”

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