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Do Que é Feita uma Garota, Caitlin Moran

“Então o que você faz quando se constrói e se dá conta de que você se construiu com as peças erradas? Você rasga tudo e começa de novo. Esse é o trabalho dos seus anos de adolescência – construir e rasgar e construir de novo, repetidas vezes, infinitivamente, como filmes acelerados de cidades durante bombardeios e guerras. Ser destemido e infinito em suas reinvenções – continuar se retorcendo aos dezenove, fracassar e começar de novo. Inventar, inventar, inventar. ”

Johanna Morrigan é uma adolescente de 14 anos, vivendo na Inglaterra dos anos 90. Provinda de uma família pobre, com poucos recursos e muitos filhos, Johanna é inteligente, perspicaz e muito apaixonada por música.

Um dia um de seus poemas ganha um concurso, que além de um prêmio em dinheiro, lhe dá o direito de ir declamar sua obra em um programa local. Johanna passa vergonha no programa e sai de lá humilhada e determinada a se tornar a melhor versão de si mesma.

Ela cria Dolly Wilde, muda sua maquiagem, seu guarda roupa e pinta o cabelo de vermelho e sai para o mundo disposta a aprender sobre música, pessoas e sexo. Quando completa 16 anos, Johanna – ou Dolly – bebe, fuma, escreve para uma revista sobre música e faz sexo com o mais variados tipos de homens.

E então, ela percebe que talvez tenha se construído da maneira errada.

Do Que é Feita uma Garota é um livro com grandes méritos. O primeiro deles é justamente sua protagonista.

O leitor a conhece como Johanna, uma adolescente gorda, que adora ler e ouvir música e que deseja mais do tudo conhecer a vida real. Ela vive com o pai, um alcoolatra, a mãe e mais quatro irmãos – Kris, um pouco mais velho que ela, Lupin, de seis anos e os gêmeos, recém-nascidos, que ainda nem foram batizados – em um subúrbio da Inglaterra.

Mas logo ela se transforma em Dolly, que é o exato oposto de Johanna. Dolly é divertida, espontânea e sensual. Ela também arruma um emprego como crítica de música em uma revista e começa a frequentar shows e andar com rockstars. Dolly então, começa a experimentar tudo que encontra pelo caminho, seja sexo, bebidas, cigarros ou drogas.

O natural seria que o leitor que estava acompanhando Johanna e provavelmente já estava gostando da personagem, rejeitasse Dolly, que é a antítese da primeira, mas não é isso que acontece. Isso porque a essência da personagem se mantém, e como o livro é escrito em primeira pessoa e temos acesso aos pensamentos de Johanna/Dolly, sabemos que ela continua a mesma, embora fale e se comporte de outra maneira, em muitos momentos ela até explica para o seu leitor como Johanna agiria normalmente em frente a determinada situação, mas nos conta que fez o que Dolly faria. A sensação que se tem enquanto se lê Do Que é Feita uma Garota é que estamos literalmente dentro da cabeça de sua protagonista.

O que também facilita essa simpatia que o leitor tem por Johanna/Dolly é que ela é extremamente inteligente e que mesmo quando ela está tomando decisões erradas, ela não é retratada como estupida, tudo parece ter um proposito.

Outro acerto é que a jornada de Johanna/Dolly não é contada de maneira dramática, como se ela se arrependesse do que fez ou como se ela julgasse sua fase de Dolly, a protagonista passa por diversas fases, mas em momento nenhum se mostra arrependida, ou perde o seu senso de humor. Johanna/Dolly é muito divertida e dona de um senso de humor sarcástico, e mesmo quando ela se mete em alguma confusão ou faz alguma coisa que claramente faz mal para ela mesma, ela ainda narra isso de forma engraçada e é impossível não rir.

Os personagens coadjuvantes também são interessantes, desde os pais de Johanna/Dolly, que parecem quase tão perdidos quanto seus filhos adolescentes, Kris, claramente lutando com suas próprias questões, Lupin, que é uma criança divertida e animada, até as pessoas que a protagonista vai conhecendo com o tempo, como John Kite, o primeiro músico que Johanna/Dolly entrevista e por quem ela se apaixona perdidamente.

Do Que é Feita uma Garota é um romance de formação, mas é muito diferente de qualquer outro livro do tipo. A protagonista é inusitada, assim como as situações em que ela se coloca. O livro também fala claramente com e sobre a classe baixa da Inglaterra, uma vez que Johanna/Dolly vem de uma família pobre do subúrbio, que vive de auxílio do governo, e também com adolescentes dos anos 90, uma vez que ele cita bandas e artistas da época, e fala rapidamente de política.

O livro aborda outras questões, além do crescimento de Johanna/Dolly, já que fala brevemente sobre o alcoolismo de seu pai, que tem que lidar com os seus sonhos frustrados de ser um rockstar, da depressão pós-parto de sua mãe, que nem consegue pensar em nomes para seus filhos gêmeos, de Kris, que se torna adulto na mesma época que a irmã, mas de formas bem diferentes e até de John Kite, que embora seja um astro do rock, em ascensão ainda tem seus problemas e suas questões.

Além de tudo isso, Johanna/Dolly é uma adolescente gorda, algo raríssimo de se ver em obras ficcionais, que embora tenha uma série de problemas consigo mesma ou com a imagem que tem, não parece se incomodar com seu peso. Conforme o tempo vai passando, ela vai ficando cada vez mais segura de si mesma e percebe que a atração sexual, sua personalidade e seu valor, não tem absolutamente nada a ver com o seu corpo, o que é uma maneira muito inovadora de se retratar uma personagem gorda.

O livro também fala abertamente sobre questões que envolvem o mundo feminino e que são consideradas tabus, como masturbação, sexo, desejo sexual e a ideia de que um homem que sai com muitas mulheres é um garanhão, enquanto uma mulher que sai com vários homens é uma vagabunda. Como o livro é escrito por uma mulher, esses assuntos são tratados da maneira correta e de uma forma com a qual é fácil de se identificar e entender, e é tudo muito engraçado, mesmo nos momentos em que a situação é dramática e mais séria.

Acompanhar o crescimento de Johanna/Dolly é um misto de sentimentos, ao mesmo tempo que torcemos para que ela se torne quem ela quer ser, também nos perguntamos se ela está fazendo a coisa certa, o que é muito próximo do que Johanna/Dolly ou do que qualquer adolescente sente.

A leitura do livro é muito rápida, embora ele não seja especialmente curto, mas a narrativa prende o leitor de uma maneira inacreditável e é impossível largar a mão de Johanna/Dolly desde o primeiro momento, o livro é bem escrito, divertido e a trama é ótima. Também é muito bom entrar em contato com o livro que fala sobre uma adolescente se tornando adulta, protagonizado por uma mulher e escrito por uma mulher.

Do Que é Feita uma Garota é um romance de formação diferente de qualquer outro, ele apresenta uma protagonista carismática, mas que mesmo assim tem seus defeitos e que não tem vergonha de esmiuçar cada um deles, e que é extremamente realista. Ele prende o leitor com seus personagens inteligente e bem-criados, sua narradora sarcástica e divertida, sua trama bem-criada e todas as questões que ele traz à tona.

Do Que é Feita uma Garota vai fazer muito mais sentido para o público feminino, que consegue se visualizar em Johanna/Dolly, mas é um livro para todos e é uma leitura de primeira qualidade.

Título no Brasil: Do Que é Feita uma Garota

Título Original: How To Build a Girl

Autora: Caitlin Moran

Tradutora: Caroline Chang

Gênero: Drama, comédia

Ano de lançamento: 2014

Editora: Companhia das Letras

Número de Páginas: 392

Foto: Fernanda Cavalcanti

 

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