“One ins’t oneself in childhood. Childhood is a lie adults tell themselves. The man fathers his own childhood, if you see what i mean”
“Ninguém é si próprio durante a infância. A infância é uma mentira que os adultos contam para si mesmos. O homem cria a sua própria infância, se você me entende”- Traduzido livremente por Fernanda Cavalcanti
Depois da morte trágica de sua filha, Kate, Julia Lofting se separa e decide comprar uma casa grande e luxuosa em Londres. Ela está de luto e não quer nenhum contato com seu marido, Magnus, que ela acha que pode lhe fazer mal.
Assim que ela se muda, ela vê uma garotinha loira, muito parecida com Kate rondando a casa e logo, coisas estranhas começam a acontecer. Julia, então, começa a ter certeza que existe uma presença rondando sua casa.
A princípio ela acha que é Kate, querendo cobrar da mãe a sua morte, mas quando ela pesquisa mais sobre os antigos moradores da casa, ela descobre a história de outra mãe, que também perdeu uma filha e que essa garotinha, na verdade, era muito cruel.
Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia já começa com a protagonista se mudando para a nova casa, que ela acabou de comprar. A princípio, o leitor sabe pouco sobre Julia ou sobre a sua história, mas o narrador vai nos contando aos poucos.
Julia é uma americana, rica, que se mudou para Londres quando mais nova e conheceu Magnus, um homem bem mais velho, com quem ela acabou se casando. Magnus nunca foi fiel, mas ele e Julia tiveram uma filha chamada Kate. No entanto, quando o livro começa sabemos que Julia está separada de Magnus e Kate, a filha de nove anos dos dois está morta. Resta ao leitor descobrir como todas essas coisas aconteceram.
Logo que ela chega na sua nova casa, Julia vê uma garotinha loira e muito parecida com Kate, andando nas redondezas, ela naturalmente, segue a criança e a perde de vista, mas encontra uma tartaruguinha mutilada e enterrada em um tanque de areia onde a criança estava mexendo.
O livro então, se divide basicamente em duas seções, que não tem demarcações, mas que são bem claras: a vida pregressa de Julia e a vida de Julia depois que ela chega na casa.
A vida pregressa de Julia soa quase como um romance realista, uma vez que a personagem não teve nenhum encontro sobrenatural antes da morte de sua filha. Isso pode soar tedioso dentro de um livro de terror, mas não é. Com as descrições de como Julia chegou aonde está, o leitor não só entende a personagem, como também pode diferenciar os eventos naturais e os eventos sobrenaturais que são apresentados no livro.
Quando sabemos que até aquele momento, Julia levou uma vida relativamente normal, onde teve empregos diferentes, namorados diferentes, viveu em cidades diferentes, se casou, teve uma filha, entendemos que Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia se passa no nosso mundo, em um universo natural, que mais tarde acaba se tornando sobrenatural.
O leitor então fica sabendo como Julia conheceu Magnus, como se deu o relacionamento dos dois, seguido do casamento, do nascimento de Kate e dos problemas que o casal teve. Também é nesses momentos que conhecemos Magnus, um homem bem mais velho que Julia, que nunca tinha pensando em se casar antes de conhecer a protagonista, e os dois irmãos de Magnus, Lily e Mark, que também são importantes na trama.
Os acontecimentos que se passam no presente do livro e que dizem respeito ao que acontece desde que Julia se muda para a sua nova casa são completamente diferentes. Eles são, em sua maioria, de origem fantástica. Claro que também acompanhamos coisas comuns, como Julia organizando suas coisas e conhecendo os vizinhos, mas essa parte do livro é mais voltada para os eventos sobrenaturais.
Não é à toa que logo no começo somos apresentados a Olivia, a garotinha loira que se parece com Kate e mais tarde, a uma série de fenômenos que fazem Julia acreditar que a casa está amaldiçoada. Conforme ela vai pesquisando mais sobre o lugar, ela vai descobrindo sobre a família que viveu lá antes e começa a entender um pouco o que se passa ali.
É interessante notar no entanto, que a princípio, Julia tem certeza que os fenômenos da casa estão relacionados a Kate, que está querendo se vingar da sua mãe, isso porque, Kate morreu de maneira acidental, depois de engasgar e ter a garganta cortada pelo pai, em uma tentativa frustrada de fazer uma traqueostomia. Fica claro durante toda a leitura que Julia se sente muito culpada pela morte da filha, e o fato dela achar que Kate é a responsável pelas assombrações que rondam a sua casa, podem ser interpretadas como a culpa de Julia se manifestando e não necessariamente, como eventos sobrenaturais.
Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia não é um terror dos mais clássicos e nem usa de aspectos muito clichês, o livro até foge deles. As assombrações que Julia precisa enfrentar não são as que normalmente aparecem em livros do gênero, mas Straub consegue transformar elementos comuns em coisas assustadoras.
O que ele faz muito bem, por exemplo, é usar os personagens crianças para assustar seus leitores. Olivia, a grande vilã do livro, é descrita como uma criança linda, loira e delicada, ou seja, o arquétipo da criança angelical, mas ela é o exato oposto disso. Straub não poupa palavras ou tabus para descrever a personalidade de Olivia: ela é cruel com os animais, lidera um grupo de crianças, que fazem o que ela manda e que machucam uns aos outros, maltrata os adultos e até força as outras crianças a praticarem atos sexuais.
Quando o autor cria uma personagem com uma aparência angelical e uma personalidade demoníaca, ele pega o leitor de surpresa e isso assusta. Crianças geralmente são relacionadas a inocência, mas Straub apresenta exatamente o oposto, mesmo que Olivia pareça inocente, ela é terrível.
A leitura também é muito prazerosa e muito rápida. É fácil se apegar a Julia e desgostar de quem ela desgosta. Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia não é um livro de terror gore, não tem muito sangue e nem muita violência, tudo fica muito a cargo da imaginação do leitor, que como Julia percebe essa presença na casa, mas não consegue muito bem especificar o que é. O fato de Magnus e Lily não acreditarem em Julia, nos coloca ainda mais próximos da protagonista, uma vez que testemunhamos muitos dos fenômenos junto com ela.
Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia é mais um terror psicológico, mesmo porque é possível interpretar o livro de várias maneiras, como por exemplo entender que tudo o que Julia vê são só manifestações do seu luto e da sua culpa.
A história de Julia é interessante e muito bem desenvolvida, fica claro que o autor pensou em todos os detalhes, a dos antigos moradores da casa também é, mas pega algumas saídas fáceis, que acabam tornando a trama um pouco inacreditável, isso não estraga a leitura, no entanto.
Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia infelizmente não é publicado no Brasil a um tempo e por isso, é bem difícil encontrar um exemplar, o que delimita a leitura a livros de sebo – a preços exorbitantes – ou a exemplares em inglês.
Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia é um terror que usa elementos diferentes para assustar seus leitores e apresenta uma personagem feminina forte e frágil ao mesmo tempo e antagonistas assustadores.
Título no Brasil: Mau-Olhado – A Tragédia Rondava a Casa de Julia
Título original: Julia
Autora: Peter Straub
Gênero: Terror
Ano de lançamento: 1975
Editora: Ballantine Books
Número de Páginas: 304
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