“Tenho horror de toda língua afiada, que diz que uma agulha fica melhor em minhas mãos, a pena do poeta, todos dizem que vou usar o mal, pois grande é o desprezo que tem pela cabeça da mulher; se o que faço é certo, não irá em frente, dizem que é roubado, ou então fruto do acaso” – Prólogo – Anne Bradstreet
As Mulheres Mais Perversas da História, como o próprio nome já diz, lista mulheres capazes do imaginável e analisa qual a diferença entre um homem terrível e uma mulher terrível.
A primeira coisa que é preciso dizer sobre As Mulheres Mais Perversas da História é que ele é um livro de não ficção, mais do que isso, o livro é uma lista, que explica o que essas mulheres fizeram e um pouco da história de cada uma delas.
O título dá a entender que o livro fala majoritariamente de serial killers ou de assassinas, mas isso não é verdade, ele cita sim, algumas mulheres serial killers, como Aileen Wuornos e Myra Hindley, mas ele também fala de rainhas e imperatrizes, como Valéria Messalina e Catarina, a Grande.
É interessante notar que essas mulheres que viveram há muito tempo, como é o caso das rainhas citadas, usam de sua sexualidade e matam basicamente para obter ou manter o poder, o que, embora terrível, era a única forma de uma mulher ser dona de si mesma e de algo antigamente. A crueldade dessas mulheres está invariavelmente relacionada com uma necessidade de sobreviver ou pelo menos, de viver bem.
Não que isso justifique os crimes que cometeram, mas as diferenciam de mulheres que viveram em dias mais recentes.
As mulheres que estão no livro e que viveram no século XX, já parecem fazer parte de uma outra categoria – embora a autora não faça essa diferenciação -. Ela cita, por exemplo, Aileen Wuornos, uma famosa serial killer americana, que passou a vida sendo abusada e que mais tarde, enquanto trabalhava como prostituta, assassinou uma série de homens que faziam programas com ela. Wuornos defendeu até o seu último minuto de vida que matou para evitar abusos, violências e estupros e foi inclusive, apoiado por diversos subgrupos feministas, e mesmo assim, foi condenada a morte.
O caso de Wuornos é de fato controverso, não se sabe até que ponto o que ela diz é mesmo verdade, no entanto, é difícil acreditar que ela tenha matado em legitima defesa sete vezes, mesmo que se saiba que a vida de uma prostituta é marcada por abuso e violência.
De qualquer forma, o seu caso é um ótimo objeto de estudo em relação ao abuso e a violência e como essas duas coisas se relacionam. A mãe de Wuornos engravidou ainda muito jovem e existia a possibilidade de que o pai de Wuornos fosse o seu próprio avô, que mais tarde molestou a neta. Ela também foi vitima de outro pedófilo e na pré-adolescência já trocava favores sexuais por dinheiro. Como sua mãe, ela também engravidou muito cedo – e não se sabe se o pai era o próprio avô, que também poderia ser seu pai -. Wuornos passou a vida toda sendo abusada por homens mais velhos e depois, foi obrigada a viver da prostituição, e quando teve a chance, passou a matar homens.
As Mulheres Mais Perversas da História ainda cita outras mulheres assassinas como Myra Hindley e Karla Homolka. Ambas as mulheres estupraram e mataram crianças e adolescentes, acompanhadas de seus maridos. No caso dessas duas mulheres, diferente de Wuornos, se questiona se elas teriam feito o que elas fizeram se não tivessem conhecidos seus maridos. Homolka, inclusive, diz que só cometeu os crimes porque era espancada pelo marido, Paul Bernardo.
É verdade que as mulheres matam bem menos que os homens, por motivos diferentes e de formas diferentes. A grande maioria dos serial killers são homens brancos, a parcela de serial killers mulheres se resume basicamente a infanticidas e viúvas negras. Mulheres, quando matam, geralmente o fazem sem premeditação, no entanto, é impossível separar várias das mulheres citadas no livro do rotulo de serial killer, mesmo que elas não tenham matado seus filhos ou seus maridos.
Shelley Klein, a autora do livro, na introdução explica que as mulheres matam bem menos do que os homens, mas que quando isso acontece, a comoção é muito maior, uma vez que ainda existe o mito de que as mulheres são mais carinhosas, delicadas e compreensivas, é impossível pensar que uma mãe poderia matar seu filho, por isso, quando algo assim acontece, chama muito mais atenção e o ato é classificado, automaticamente, como monstruoso.
Homens matam mulheres todos os dias, mulheres não matam seus maridos com tanta freqüência, mesmo que eles sejam abusivos, violentos e que as ameacem diariamente, e quando matam ganham rótulos como os de “viúva negra”.
Discutir porque crimes cometidos por mulheres, que acontecem com bem menos freqüência ganham mais notoriedade e são mais condenados, que crimes cometidos por homens, que são mais bem freqüentes e muitas vezes, mais violentos, é muito interessante e é sem dúvida, uma conversa que fala sobre temas como o machismo, o abuso e sobre os estereótipos que se constroem em relação ao sexo feminino, e Klein cita isso, mas não vai muito a fundo na discussão.
Por isso, As Mulheres Mais Perversas da História acaba ficando na superficialidade, como se fosse mesmo uma enciclopédia de mulheres cruéis.
O livro descreve com precisão a vida dessas mulheres, tanto a pregressa, quanto os crimes e tem muita informação, mas um pouco mais de incursão da autora não faria mal. Ela poderia, por exemplo, pensar sobre qual é a relação entre a vida cheia de abusos de Wuornos e os crimes contra homens que ela cometeu ou sobre qual era o poder dos maridos de Hindley e Holmoka nos crimes que elas cometerem e ajudaram a cometer.
No caso de Holmoka, essa relação parece ainda mais séria, uma vez que ela não só vivia em um relacionamento abusivo, como também era espancada com freqüência pelo marido, por outro lado, quando os dois ainda namoravam, Holmoka topou dopar sua irmã de dezesseis anos para que Bernardo a estuprasse. Essas mulheres jamais teriam cometidos crimes se não tivessem conhecido os homens que conheceram ou elas estavam só esperando um incentivo? Os assassinatos que as mulheres cometem têm sempre relação com homens – sendo eles a motivação ou as vitimas -? Essas são perguntas que Klein deixa em aberto quando conta suas histórias, mas que não responde.
Seria interessante que o livro que se predispõe a listar mulheres cruéis, que de fato cometerem crimes hediondos, em menor e maior grau, também discutisse seus comportamentos sociais, motivações ou supostas motivações e métodos.
A leitura de As Mulheres Mais Perversas da História é fácil e rápida, o livro tem muita informação e algumas fotos, por outro lado, ele não é um livro para quem tem o estomago fraco. O livro não entra em detalhes completos, mas alguns dos crimes descritos aqui são terríveis e podem perturbar quem não está acostumado com literatura desse gênero. O livro é recomendado para quem se interessa por crimes reais ou estuda o assunto.
Quando não se aprofunda no assunto que trata, As Mulheres Mais Perversas da História acaba confirmando as criticas que livros sobre crimes reais sempre recebem – que é “apelativo” – embora ele ainda seja muito informativo e possa render uma boa leitura.
Título no Brasil: As Mulheres Mais Perversas da História
Título Original: The Most Evil Women in History
Autora: Shelley Klein
Tradução: Dinah Abreu Azevedo
Gênero: História, Crime, Crime Real
Ano de lançamento: 2003
Editora: Planeta
Número de Páginas: 278
Foto: Fernanda Cavalcanti