Dani Clayton (Victoria Pedretti) é uma jovem que está longe de casa e se sente meio perdida na vida. Um dia ela encontra um anúncio de emprego para ser tutora de duas crianças em uma propriedade rural e se candidata para a vaga.
Dani acaba sendo contratada pelo tio das crianças, Henry Wingrave (Henry Thomas), e parte para o local. A mansão de Bly parece ser um organismo que vive por si próprio e lá moram os sobrinhos de Henry, Miles (Benjamin Evan Ainsworth) e Flora (Amelie Bea Smith), o cozinheiro, Owen (Rahul Kohli), a governanta, Hannah (T’Nia Miller) e a jardineira, Jamie (Amelia Eve).
A nova tutora se adapta ao lugar e se dá bem com as crianças, mas logo começa a notar coisas estranhas acontecendo na casa, embora os moradores mais antigos pareçam não notar ou talvez, não se incomodar.

A Maldição da Mansão Bly é a segunda temporada da antologia The Haunting e é inspirada no livro A Outra Volta do Parafuso, de Henry James.
A Maldição da Mansão Bly faz parte de uma antologia de terror, focada em casas assombradas e com tramas inspiradas em livros clássicos do terror, geralmente que se encaixam no subgênero do gótico. A série funciona mais ou menos como American Horror Story, que também se encaixa no gênero do terror e a cada temporada tem uma nova história, em um novo ambiente, com novos personagens, mas que o elenco continua mais ou menos o mesmo.
Nessa segunda temporada, a série se inspira em A Outra Volta do Parafuso, romance gótico de Henry James que narra a história de uma jovem que vai ser tutora de duas crianças órfãs. Quando ela chega na casa, ela logo conhece Flora, a irmã mais nova, que é adorável e prestativa e alguns dias depois recebe a visita de Miles, o irmão mais velho, que estava em um internato, mas acabou de ser expulso por algo que nunca fica muito claro. Uma vez na casa, a governanta começa a ficar cada vez mais perturbada, primeiro pelo comportamento de Miles, que age como um homem adulto e que muitas vezes passa cantadas na moça e depois, pela história da antiga governanta, que depois de um romance conturbado com outro empregado do local, faleceu na casa.

Essa é a história principal do livro, mas na realidade, o que A Outra Volta do Parafuso conta é uma história dentro de uma história, já que o livro começa com uma série de pessoas contanto histórias de terror em volta da fogueira, e logo após uma história com uma criança ser contada, alguém se propõe a contar uma história de terror com duas crianças – É daí que vem o nome do livro, já que o narrador diz que a história com uma criança representa uma volta no parafuso e a história com duas crianças, seria a outra volta do parafuso -.
A Maldição da Mansão Bly parte desse mesmo princípio, a série começa com uma mulher (Carla Gugino) que se predispõe a contar uma história, durante uma festa. O espectador é jogado nessa trama, sem saber exatamente onde está entrando, mas logo se vê preso na história de Dani e dos outros moradores da mansão Bly.
A série, no entanto, se ambienta nos anos 80, diferentemente do livro, que foi escrito nos anos 1890 e acompanha Dani, que está sozinha na cidade grande, em busca de uma mudança de vida. Não vemos a família de Dani no começo da série, mas ela fala com eles no telefone e fica claro que ela está fugindo de alguma coisa.

Dani então, se coloca dentro de uma casa enorme e isolada, onde pretende cuidar de duas crianças. Flora, a irmã mais nova é bem parecida com a Flora do livro, já Miles é bem diferente do personagem do livro. O Miles da série também acabou de voltar do internato, mas ele não foi expulso, ele voltou para casa a pedido de Flora e diferente do livro, ele é uma criança afável que não sabe coisas que não deveria saber, como acontece no livro.
Miles se comporta como uma criança normal, na maioria do tempo, embora fique claro que ele e Flora saibam mais do que estão contando.
A Maldição da Mansão Bly tem nove episódios, e por isso, tem bastante espaço para contar muitas histórias e a série usa e abusa disso. Além da trama principal, que envolve Dani e os outros moradores da casa, a série também fala sobre o passado de sua protagonista, sobre o passado da mansão, as histórias pregressas dos empregados da casa e das crianças e de Peter Quint (Oliver Jackson-Cohen), que trabalhava na mansão Bly, mas que no momento está desaparecido, e sua namorada, Rebecca Jessel (Tahirah Sharif), que no momento em que a série se passa está morta.

O relacionamento de Quint e Jessel é extremamente importante para a trama, tanto do livro, quanto da série. No livro, os dois mantinham relações sexuais dentro da casa e muito possivelmente na frente de Miles, – A Outra Volta do Parafuso também dá a entender que Miles foi molestado por Quint – o que explicaria o comportamento violento e extremamente sexual que Miles vem exibindo e que fez com que o menino fosse expulso do internato. A morte de Quint no livro, deixa Miles obviamente perturbado, mas a tutora vive constantemente com a sensação de que Quint ainda ronda a casa.
Na série, o casal também manteve relações sexuais dentro da mansão, mas não na frente das crianças e embora a relação de Miles e Quint seja bem ressaltada, não existe a insinuação de que Quint teria molestado do menino. Por outro lado, a influência de Quint, que parece ser o grande vilão da série, é clara como água, os únicos momentos em que Miles de fato se comporta de maneira estranha e perturbadora são a que ele está sendo influenciado por Quint.
Jessel consegue influenciar Flora, mas a antiga tutora não é retratada como vilã e sim como alguém que é vítima de um relacionamento abusivo e Flora, mesmo sendo mais nova, é menos influenciável que Miles e A Maldição da Mansão Bly dá a entender que Miles tem uma certa crueldade dentro dele, que pode ser liberada só quando estimulada por Quint, mas que está presente dentro do menino.

Acompanhamos o namoro de Jessel e Quint desde o começo, e junto com ela, vamos nos encantando pelo homem, mas não demora muito para que percebamos que o relacionamento está longe de ser saudável, e que Quint tem a habilidade de trazer à tona o pior de Jessel, da mesma forma que ele faz com Miles.
Outro assunto muito presente em A Outra Volta do Parafuso é a repressão sexual. O livro se passa nos anos 1890, época em que as mulheres não tinham nenhuma liberdade sexual e onde uma mulher solteira não tinha muito conhecimento sobre seu corpo ou sua sexualidade. James faz uma crítica sobre esse costume de manter as mulheres no escuro até o casamento – e muitas vezes, depois dele – e de reprimir as mulheres sexualmente através de sua protagonista.
A tutora é uma mulher extremamente reprimida, que é jogada em uma casa onde escuta histórias sobre um casal que fazia sexo em todos os cômodos e onde tem que lidar com um menino que sabe mais sobre sexo do que ela. Quando Miles começa a fazer comentários de duplo sentido, a tutora vai ficando cada vez mais perturbada, e o leitor se questiona se as manifestações sobrenaturais que ela está vendo – que são Quint e Jessel – são de fato manifestações sobrenaturais ou apenas representações da repressão e do medo do sexo que a protagonista sente.

A Maldição da Mansão Bly se passa nos anos 80, época em que o mundo já não era mais tão repressivo e inclusive, vivia um período de certa liberdade sexual, por isso, a repressão sexual presente na série é um pouco diferente: Dani luta contra a sua sexualidade, mas assim que chega na mansão Bly começa a se sentir cada vez mais atraída por Jamie.
Se no livro, a protagonista tem dificuldades em aceitar a existência do sexo e é colocada de frente para não só adultos sexualmente ativos, como também uma criança que parece saber muito mais do que deveria, ainda mais nos anos 1890, na série, Dani está fugindo da sua sexualidade, mas quando chega na mansão se vê de frente a uma mulher, que aceita a sua própria sexualidade e que é atraente.
Mas A Maldição da Mansão Bly embora seja uma série de terror, parece se preocupar mais em falar do luto e de tudo que vem com ele. Todos os personagens da série estão lidando com seu próprio luto, de maneiras diferentes.

O telespectador não sabe exatamente qual é o background de Dani quando a série começa, mas com o tempo vai entendendo que ela está longe de tudo porque lida com uma morte, e conforme vamos assistindo a série, vamos percebendo que isso é comum entre as pessoas que se encontram na mansão naquele momento.
Uma vez que a série trabalha com fantasmas e espíritos e uma casa que possivelmente guarda todas essas mortes, fica claro fazer um paradoxo entre o luto, que se segura dentro de cada personagem da série e a casa, que quase como um outro personagem, não deixa ninguém que morre no seu território, ir embora.
A Maldição da Mansão Bly é sim uma série de terror, com momentos e cenas aterrorizantes e que dentro das tramas consegue imprimir um horror não tão óbvio, mas ainda presente, mas que como boa parte das melhores obras do gênero também fala de outros temas, como o luto, a descoberta sexual e relacionamento abusivo.

A produção de A Maldição de Mansão Bly também é muito bem-feita, os cenários são de tirar o fôlego e mesmo que boa parte da série se passe na mansão, o lugar é tão grande que o telespectador é sempre presenteado com um lugar completamente novo.
O elenco da série também é bom. Victoria Pedretti se sai muito bem no papel de Dani e consegue transmitir todas as suas nuances, enquanto T’Nia Miller entrega uma atuação mais contida para uma personagem que só perde o controle em momentos muito precisos. Oliver Jackson-Cohen, que interpreta o vilão Quint, sabe o momento exato de ser charmoso e seduzir a plateia e o momento de ser cruel, terrível e manipulador e é isso que faz do seu personagem um dos mais memoráveis da trama, mesmo que ele seja desprezível.
Outro show à parte são as crianças, que atuam como adultos e que demonstram a emoção de seus personagens de maneira exata. Benjamin Evan Ainsworth consegue interpretar com precisão as mudanças do Miles que é uma criança normal e em certa medida, educada e adorável, para o Miles que está completamente influenciado por Quint, já Amelie Bea Smith, que interpreta Flora, entrega uma personagem completamente adorável de quem o público se compadece e quer cuidar, mesmo que em muitos momentos, fique claro que ela sabe muito mais – e aceita muito mais – do que todos os adultos que a rodeiam.

A Maldição da Mansão Bly não é uma adaptação extremamente fiel da obra de Henry James, mas é justamente por isso que a série ganha pontos. Existem milhares de adaptações de A Outra Volta do Parafuso, com maior ou menor sucesso, mas A Maldição da Mansão Bly traz aspectos e pontos de vistas diversos para assuntos que afetam qualquer pessoa, em qualquer época. A modernidade, aqui impressa através da década em que a série se passa e das questões que falam muito mais com os dias de hoje, são bem-vindas e fazem com que o clássico de James, que já é atemporal, fique mais próximo da atualidade.
A Maldição da Mansão Bly está disponível na Netflix.
Título no Brasil: A Maldição da Mansão Bly
Título original: The Haunting of Bly Manor
Elenco: Victoria Pedretti, Oliver Jackson-Cohen, Amelia Eve, T’Nia Miller, Rahul Kohli
Gênero: Drama, Terror
Duração do episódio: 50min
Número de episódios: 9
Ano: 2020