Adaptações, série

Série: I Am the Night (1ª Temporada), 2019

Pat (India Eisley) vive com sua mãe, Jimmie Lee (Golden Brooks), em um bairro com maioria de habitantes negros. Embora tenha a pele branca, Pat acredita que é filha de Jimmie, uma mulher negra, com um homem branco, que ela nunca conheceu.

Até que um dia, ela descobre que Jimmie não é sua mãe biológica e que ela é filha de uma mulher rica e branca, chamada Tamar Hodel (Jamie Anne Allman). Pat então, fica sabendo que seu nome verdadeiro é Fauna Hodel e resolve ir mais a fundo na sua história de vida.

Durante sua própria investigação, ela conhece o jornalista Jay Singletary (Chris Pine), que a muitos anos atrás escreveu sobre o avô biológico de Fauna, George Hodel (Jefferson Mays), um famoso e poderoso médico de Los Angeles.

Jay quer encontrar Tamar para que possa descobrir o que de fato aconteceu no passado, e Fauna quer conhecer sua mãe biológica, os dois então, se unem e se deparam com segredos terríveis e assustadores.

I Am the Night é livremente inspirado no livro One Day She’ll Darken, da própria Fauna Hodel.

Inspirado em uma história real

I Am the Night é de fato inspirado na história de Fauna Hodel, mas nem tudo que está presente na série é verdade.

A vida da verdadeira Fauna é bem parecida com a da Fauna da série, mas diferente da ficcional, Fauna sempre soube que era filha adotiva, ela só achava que era filha de uma mulher branca e um homem negro. A série, no entanto, prefere tomar outros caminhos e dar outra dimensão ao drama de Fauna: ela realmente não sabe nada sobre a sua origem e acha que é filha biológica de Jimmie Lee.

Outro aspecto que também não existe na série é o personagem Jay Singletary, certamente que muitos jornalistas cobriram o julgamento de incesto que envolvia George Hodel e sua filha, Tamar, e muitos outros, com certeza, estavam extremamente interessados na história misteriosa do patriarca da família Hodel, mas não existe nenhum que tenha ajudado Fauna na sua busca.

A presença de Jay, no entanto, é bem útil, uma vez que ele não só sabe coisas que Fauna – e o telespectador – não sabe, como também entende mais de investigação que a protagonista, que é praticamente uma adolescente. Uma investigação feita por duas pessoas também se desenvolve de maneira bem mais rápida do que quando feita por uma única pessoa.

I Am the Night toma uma série de liberdades em relação a história real e parece claro que a ideia é deixar a vida de Fauna mais interessante e mais dramática possível. A história da família Hodel já é por si só sinistra, mas a série dá uma exagerada em vários pontos, o que faz algum sentido uma vez que quando se assiste uma série de suspense, que bebe muito na fonte do noir, o que o telespectador deseja ver é uma trama cheia de mistério, crime e coisas terríveis.

Isso faz de I Am the Night um produto mentiroso? Não exatamente, uma vez que a série de fatos tem elementos da história real e só os eleva a máxima potência. Além do mais, a obra não se vende como uma autobiografia real e oficial de Fauna, mas sim como uma trama de ficção que se inspira na vida dela.

Uma trama noir

I Am the Night mergulha a fundo no gênero noir e nem poderia ser diferente. A história de vida de Fauna Hodel já parece vir pronta para ser transformada em uma obra noir, mas a série aproveita bem dessa estética.

I Am the Night tem todos os elementos necessários para uma história noir e isso acontece basicamente porque a história da família Hodel e tudo que se especula sobre eles, de fato parece uma história noir. George Hodel, o patriarca da família foi um famoso médico de Los Angeles, que entre outras coisas, tratava de doenças venéreas, o seu nome, no entanto, está envolvido em uma série de escândalos, como a hipótese de que ele estivesse envolvido com abortos ilegais, corrupção na polícia e festas de sexo.

George Hodel também foi acusado de incesto por sua filha, Tamar e o caso chegou ao tribunal, mas ele foi inocentado. Tamar mantém sua acusação até os dias de hoje e sua segunda filha, Fauna II (originalmente batizada de Deborah) também acusou o avô de molesta-la. Também existe um boato constante de que George Hodel poderia ser o assassino de Elizabeth Short, a Dália Negra.

Nada nunca foi provado, embora George se encaixe no perfil e tenha sido considerado suspeito pela polícia da época, o caso de Short nunca foi resolvido e se mantém um mistério até hoje. O filho de George, Steve Hodel, escreveu uma série de livros em que acusa seu pai não só de matar Short, como também uma série de outras mulheres e de ser responsável pelos crimes do Zodíaco.

Hodel nunca foi acusado de nenhum crime, além do incesto, pelo qual ele foi absolvido, mas a sua fama o precede e a história da família Hodel e suas possíveis relações com crimes de Los Angeles, é no mínimo, sinistra e macabra.

A vida de Fauna então, tem todos os elementos necessários para o noir: um segredo bem guardado, um – ou vários – assassinato brutal, uma linda moça assassinada, um patriarca cruel e uma história cheia de mistérios. O que I Am the Night faz é deixar essa trama ainda mais próxima do gênero, adicionando um jornalista no fundo do poço, que deseja provar seu ponto de vista e só se une a protagonista com esse proposto – embora, claro, ele acabe se tornando amigo dela no meio da investigação -, uma polícia corrupta, que está completamente comprada por George Hodel e alguns segredos cabeludos, que se tornam ainda mais cabeludos.

A série faz claras referências ao filme Chinatown, que é inspirado na história de Tamar Hodel.

I Am the Night não é completamente fiel a vida de Fauna ou ao seu livro, mas é um prato cheio para os fãs de noir, que gostam de mergulhar em tristeza, corrupção e crime.

George Hodel, o vilão

George Hodel faleceu em 1999, e nunca foi acusado de nenhum crime, mas a sua figura ainda é alvo de uma série de acusações. Segundo sua filha, Tamar, ele a estuprou e engravidou, segundo seu filho, Steve, George é um serial killer, responsável por diversos crimes que nunca foram resolvidos, segundo, Dorero, sua segunda esposa e mãe de Steve, George era um homem muito perigoso. Nunca se provou nada sobre ele e é muito possível que nunca se prove, mas não existe qualquer dúvida de que George Hodel era um homem sinistro.

O que se sabe sobre Hodel é que ele era um homem extremamente inteligente, com o Q.I. acima da média, que quando criança era um excelente pianista. Quando adulto, ele mostrou uma sexualidade exacerbada, um grande interesse por arte e por surrealismo, além de uma habilidade para reunir e manter amigos poderosos.

Em I Am the Night, o fato de que George Hodel nunca foi de fato acusado de nada não parece ser um problema. Aqui fica claro que ele é culpado por tudo, desde o estupro da filha, passando pela morte de Short, até uma série de outras mortes, que aparentemente, são fictícias. A série, no entanto, parece ter sido aprovada pela família, já que todos os nomes são usados – menos o da avó de Fauna, que na vida real se chamava Dorothy, e na série se chama Corinna ( Connie Nielsen) – e que a teoria de que George era um serial killer é defendida pela família.

É natural que isso aconteça, afinal, a fama de George faz com que ele soe como o vilão perfeito para uma série como essa. Em I Am the Night, acompanhamos algumas das famosas festas de sexo de George, que aqui, tem tons ritualísticos, que beiram o sadomasoquismo, a procura dele por obras de artes surrealistas, que de maneira mais surreal ainda de fato lembram a maneira como o corpo de Short foi encontrado – e isso é um fato real -, e a perseguição dele a Fauna, sua neta, que tem fundos de verdade.

O George Hodel de I Am the Night é extremamente sinistro, embora Jefferson Mays, o autor que o interpreta não tenha quase nenhuma semelhança física com a pessoa real e seja impossível saber como George se comportava, ele faz um ótimo trabalho, porque sua figura inspira medo sempre que aparece em cena, tanto quanto as lendas que circulam a reputação do verdadeiro George Hodel.

Aspectos técnicos

I Am the Night é livremente inspirada na história real de Fauna Hodel, no entanto, a ideia aqui parece ser levar tudo ao extremo e deixar tudo o mais assustador e sinistro possível. Funciona, porque a trama da série é interessante, ao mesmo tempo que é macabra.

Claro que para quem conhece um pouco da história da família, ou quem resolver se embrenhar mais no caso depois, a trama não soa extremamente realista, mas isso não é exatamente um problema. I Am the Night escolhe seguir o caminho do noir, independente do que de fato aconteceu.

A história de Fauna Hodel e automaticamente de Tamar e George Hodel é um prato cheio, porque apresenta essa família rica e influente, que parece perfeita, guiada por um patriarca culto e inteligente, mas que possivelmente guardava uma série de segredos terríveis e possivelmente criminosos. Não existe qualquer acusação sob o nome de George Hodel, mas o fato de que Tamar deu sua filha Fauna para adoção, dizendo que ela era filha de um homem negro é verdade e isso por si só, já é interessante. Quando se entra mais a fundo nos boatos e teorias que circundam a família Hodel, tudo fica ainda mais fascinante. Não se pode provar que George Hodel estuprou sua filha, embora Tamar jure até hoje que de fato aconteceu e muito menos que ele matou qualquer pessoa, mas a aura da história é macabra e pesada o suficiente para que ainda nos dias de hoje, estejamos instigados por ela e que para ela seja tema de uma série.

A série se apoia muito no gênero do noir e essa é uma boa escolha, porque a trama real parece feita para isso. I Am the Night usa e abusa de elementos do gênero, e certamente vai agradar quem é fã de noir. Quem assiste I Am the Night sem saber muito sobre a história de Fauna, vai ficar cada vez mais surpreso e curioso enquanto os episódios vão se desenrolando.

A série se passa nos anos 50 e o figurino de Fauna é lindo e muito dentro da época. Existe também uma diferença clara na maneira em que ela se veste quando acha que é Pat e na maneira em que ela se veste quando já sabe que é Fauna. Como Pat, ela acha que é mestiça, e tenta usar o cabelo em cachos, mas quando já sabe que é Fauna e, portanto, branca, passa a usar o cabelo liso.

Os atores não se parecem em nada com as pessoas que eles representam, mas isso não é bem um problema, já que I Am the Night parece querer se afastar da história real, embora beba bastante nessa fonte. No final, Jefferson Mays, que interpreta George Hodel, está tão assustador e tão sinistro que o fato dele não ser fisicamente parecido com o biografado não faz nenhuma diferença.

Uma vez que a série assume vários aspectos que não são reais, o fato de que os atores não são parecidos com as pessoas reais, não incomoda. Independente disso, ao final de cada episódio, vemos fotos das pessoas que apareceram naquele capítulo, o que é uma boa maneira de contextualizar o telespectador em relação a história real.

A relação de Fauna e Jay também é um ponto interessante. Ela começa basicamente porque Jay quer encontrar a mãe de Fauna, Tamar, e usa a menina para isso. Ele, como todos os jornalistas de histórias noir, só tem interesse em fazer uma boa matéria, mas acaba se envolvendo com Fauna e com as suas questões, a ponto de se tornar amigo dela e parar de se preocupar com a sua reportagem.

A relação dos dois, no entanto, não é romântica, o que seria relativamente comum se a série fosse um pouco mais antiga. Jay é um homem em torno dos seus quarenta anos e Fauna é ainda uma adolescente, o que faz com que eles tenham uma relação quase de pai e filha, forte o suficiente para mudar Jay, o jornalista cínico e sem esperanças na vida. I Am the Night não se preocupa em dar pares românticos aos seus personagens, uma vez que o romance passa longe de qualquer uma das relações travadas na atração.

O elenco, de uma maneira geral se sai muito bem, mas Chris Pine e Jefferson Mays estão ótimos e suas atuações são muito convincentes.

A série é tão interessante, que prende o telespectador desde o seu primeiro episódio, e a vontade é não parar de assistir enquanto não se sabe todos os segredos da história. A primeira temporada tem só seis episódios, que acabam rapidíssimo.

I Am the Night não é uma biografia completamente real, mas é uma ótima série de suspense, que prende seu telespectador e deixa ele pensando na história muito tempo depois.

Título no Brasil: I Am the Night

Título original: I Am the Night

Elenco: Chris Pine, India Eisley, Jefferson Mays, Leland Orser, Dylan Smith

Gênero: Drama, Biografia, Suspense, Noir

Duração do episódio: 60min

Número de episódios: 6

Ano: 2019

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