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Ordeal, Linda Lovelace

“It’s impossible for people to understand real terror unless they’ve felt it, livid it, tasted it. It’s impossible to Picture your own death until that possibility is real, until the car is careening or the plane is falling or you looking at a madman holding a loaded gun”

“É impossível entender o verdadeiro terror a não ser que você tenha sentido, vivido ou experimentado. É impossível imaginar sua própria morte até que a possibilidade seja real, até que o carro esteja se inclinando ou o avião caindo ou que você esteja olhando para um louco com uma arma carregada” – Traduzido livremente por Fernanda Cavalcanti

Em 1972, o filme pornográfico Garganta Profunda chamou atenção do mundo todo e ultrapassou a linha entre o cinema pornográfico e o cinema mainstrain. A estrela do filme, Linda Lovelace foi lançada ao estrelado e vendida como uma mulher sexualmente liberal, que fazia filmes pornôs porque gostava.

Lovelace saiu na Playboy, frequentou as festas mais badaladas e conheceu várias celeridades. Mas ninguém sabia a verdade sobre a vida de Lovelace.

Ordeal é a autobiografia de Lovelace, onde ela conta como conheceu seu marido, Chuck Traynor e como ele abusou dela por anos e a obrigou a atuar em filmes pornôs.

Nascida Linda Boreman, em 1949, Lovelace era o que se chamaria de uma “girl next door”, confiável, fofinha, tímida e bem distante da imagem pela qual ela ficou conhecida. No começo do livro, Linda deixa claro que aos 21 anos, quando conheceu Traynor, ela não era uma garotinha virgem, mas também não era extremamente experiente e ainda era inocente. Ela tinha tido uma gravidez indesejada no ano anterior e dado o bebê para adoção, e depois se envolvido em um acidente de carro e estava se recuperando na casa dos pais.

Foi em um encontro com uma amiga de escola que Linda conheceu Traynor e os dois se gostaram imediatamente e começaram um namoro inocente, onde Traynor sempre se mostrava atencioso e gentil, mas logo ele começou a xinga-la e mais tarde agredi-la fisicamente. Traynor também era impotente e só ficava excitado se estivesse machucando Linda.

Os dois se casam e a situação piora muito. Traynor não só agride e estupra Linda, como também a obriga a se prostituir e lhe convence que a esposa não pode denunciar o próprio marido. Linda se vê presa, afastada da família, convencida de que não tem poder nenhum sobre sua vida e suas escolhas e sofrendo agressões diariamente.

Traynor abre um negócio de prostituição, onde vira cafetão de várias garotas, entre elas Linda, mas segundo a autora, sempre manda a esposa para os piores e mais violentos clientes. Não demora muito para que da prostituição, Traynor passe a exigir que Linda tire fotos pornográficas e mais tarde, comece a fazer filmes.

Antes de Garganta Profunda, Linda fez outros filmes pornôs, um onde ela inclusive, fazia uma cena de sexo com um cachorro, todos, segundo ela, obrigada por Traynor.

Ordeal dá bastante detalhes sobre quase todos os aspectos da vida de Linda depois que ela conheceu Traynor, uma vez que ele parece ser o grande marco da mudança da vida da autora. Ela não coloca em palavras, mas dá a entender que Traynor não era só obsessivo, ciumento e um marido abusivo e violento, mas também possivelmente um psicopata, que sentia prazer em ver o sofrimento de Linda.

É óbvio que Linda rendeu dinheiro a Traynor, mas a autora insinua que essa não era a principal motivação do marido, embora o dinheiro fosse bem vindo, Traynor gostava de colocar Linda em situações terríveis e violentas simplesmente por diversão.

A história narrada no livro é triste e terrível, além de ser vítima de violência doméstica, Linda foi estuprada, humilhada e filmada enquanto muitas dessas coisas aconteciam.

Depois que Garganta Profunda estourou, Linda virou uma atriz conhecida no mundo todo e sua personagem exercia uma certa fascinação no público. Em entrevistas, Linda respondia que gostava de fazer filmes pornôs e que passava boa parte do seu dia pensando em sexo, Linda chegou a publicar uma suposta biografia, onde narrava todas as suas aventuras sexuais. Em Ordeal Linda diz que Traynor treinava com ela as respostas que ela deveria dar e que foi ele que escreveu o livro anterior.

Outra parte muito dolorosa da história de Linda é que, aparentemente, todo mundo falhou com ela. Traynor era abusivo em um nível absurdamente criminoso, sua família nunca interferiu no casamento dela e de Traynor, quando Linda conseguiu fugir do marido e se trancar na casa dos pais, a mãe dela convidou Traynor para que eles pudessem “resolver” tudo, várias pessoas sabiam que Traynor era violento, mas nunca fizeram nada para impedi-lo e toda a produção de Garganta Profunda ouviaTraynor bater em Linda, mas o máximo que conseguiram fazer foi pedir para que Traynor saísse do set enquanto Linda filmava.

Ordeal traz à tona assuntos muito interessantes e que devem ser discutidos, como por exemplo, a ideia da mulher sexualmente liberada que Linda passava nos anos 70, mas que era uma mentira criada por Traynor. Linda chegou a ser o rosto da revolução sexual, mas na realidade, estava presa dentro de um pesadelo e não queria fazer nada do que estava fazendo. Claro que a própria Linda, quando finalmente se livrou de Traynor, foi para outros extremos, ela se tornou uma ativista antipornografia, que tinha ideias até conservadoras, o que parece natural depois de tudo ao que ela foi submetida, mas o mais interessante é pensar sobre essas questões e ver o que é ideal a cada mulher. Não existe nenhum problema em ser atriz pornô – apesar da indústria pornô estar de fato repleta de abusos – ou ser sexualmente ativa e também não tem nenhum problema em ser conservadora e antipornografia, desde que aquela seja uma escolha livre da pessoa.

É natural que o leitor sinta uma empatia com Linda, não só porque ela está narrando sua história e porque a acompanhamos do seu ponto de vista, mas também porque lemos em primeira mão tudo que aconteceu com ela. Um livro como Ordeal exige que o leitor simpatize com o seu narrador e protagonista, mas como Linda escreveu esse livro depois de se separar de Taynor e quando já era contra a indústria pornográfica, e já tinha uma postura conservadora, ela faz alguns comentários que não caem tão bem, especialmente nos dias de hoje. Os seus comentários nem são muito machistas, mas em alguns momentos ela soa homofóbica e isso faz com que o leitor atual, fique um pouco desgostoso com ela. Não que os seus comentários sejam o suficiente para nos fazerem odiar Linda ou mesmo achar que o que aconteceu com ela é justo ou razoável, a história de Linda seria terrível em qualquer circunstância.

Outro ponto interessante é que embora Linda tenha se tornado uma ativista antipornografia, ela não demoniza a indústria pornô tanto assim. Fica claro que ela não gostava de fazer os filmes e que sempre esteve nessa posição obrigada, ela relata também diversas situações de abuso dentro da indústria, mas o grande vilão de Ordeal – e aparentemente da vida de Linda – é Chuck Traynor.

Também é importante ressaltar que Ordeal é um livro extremamente pesado. É possível se chegar a ele na expectativa de ler detalhes sobre as filmagens de Garganta Profunda ou esperando ler cenas de sexo apimentadas, não é o que acontece aqui. O livro na realidade é repleto de cenas de estupro, abuso e violência e a autora não poupa palavras, é tudo descrito com muitos detalhes. O sexo para Linda não é agradável ou prazeroso em momento nenhum, mas sim a provação ao qual o título do livro se refere.

Embora difícil pelo seu conteúdo, a linguagem de Ordeal é fácil, o que é natural, Linda não era uma escritora profissional e Ordeal mais parece uma conversa franca, onde ela está, finalmente desabafando sobre tudo que viveu.

A história de Linda Lovelace é extremamente importante e deve ser conhecida. Ordeal mostra a história real de uma jovem mulher que teve sua imagem vendida como a de uma femme fatale, que pensava em sexo vinte e quatro horas por dia, mas que na realidade, era uma jovem perdida, solitária e alienada pelo marido, que era abusada, agredida e estuprada, quase diariamente. Ordeal não faz uma reflexão profunda sobre a indústria pornográfica – mesmo que a indústria pornográfica dos anos 70 seja muito diferente da indústria pornográfica dos dias de hoje -, o que também é importante, mas é um alerta sobre como era a vida das mulheres na década de 70 e como Linda Lovelace passou anos sendo a estrela pornô mais famosa do mundo, mesmo sendo só uma mulher violentada.

Título original: Ordeal

Autora: Linda Lovelace

Gênero: Autobiografia

Ano de lançamento: 1980

Editora: Citadel Press

Número de Páginas: 288

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