“If a female is bold, should she quell her assertivness? If a female is strong, should she hide her strenght?
Not so long ago, females of power were branded as witches and burned at the stake. But before that, they were know as godness”
“Se uma mulher é ousada, deve ela sufocar sua assertividade? Se uma mulher é forte, deve ela esconder sua força?
Não muito tempo atrás, mulheres poderosas eram chamadas de bruxas e queimadas em fogueiras. Mas antes disso, elas eram conhecidas como deusas”- Traduzido livremente por Fernanda Cavalcanti
O ano é 1969, e Bliss e seus pais saem da comunidade hippie onde vivem e deixam a filha com a avó, em Atlanta. A garota logo é matriculada em uma escola de elite da região, chamada Crestview Academy.
Bliss, que passou a vida toda em uma comunidade, não sabe nada do mundo, mas está desesperada para fazer amizades. No primeiro dia de aula, ela conhece algumas das colegas de classe e é apresentada a Sarah Lynn Lancaster, a garota mais popular e mais amada da escola, por quem, Bliss é automaticamente ignorada.
Mais tarde, Bliss conhece Sandy, uma garota excluída, mas de quem Bliss fica amiga e passa a defender das outras garotas. A amizade entre Bliss e Sandy se desenvolve rápido, mas vai pouco a pouco se tornando obsessiva. Sandy não quer que Bliss fale com nenhuma outra menina e tem fixações perturbadores, como por exemplo, os crimes da família Manson, que na época em que o livro se passa, acabaram de acontecer.
Bliss tenta a todo custo ajudar Sandy, mas começa a notar que a amiga tem um lado sinistro.
Bliss parte de um pano de fundo bem interessante: o livro se passa em 1969, e acompanha a filha de um casal de hippies, que desde pequena viveu em uma comunidade. Além disso, os crimes da família Manson acabaram de acontecer e ninguém sabe ainda quem são os culpados, mas a violência dos crimes já foi constatada.
Bliss, a protagonista, é deixada pelos pais na casa da avó materna, que é exatamente o oposto dos pais de Bliss e que quer dar a menina uma vida mais regrada e por isso, a matricula na Crestview Academy, uma escola da elite do local.
Na escola, Bliss estuda só com meninas e todas elas são brancas. Logo no primeiro dia, Bliss já entende como é a dinâmica do lugar: Sarah Lynn Lancaster é a rainha do colégio, ela é bonita, divertida, popular e todas as outras meninas querem ser amigas dela. Bliss, no entanto, não entende muito bem qual o motivo de tanta gente adorar Sarah Lynn e acaba ficando mais próxima de Sandy, uma menina gordinha, quieta e tímida, de quem ninguém gosta e que é excluída.
É interessante a maneira com que o livro vai pouco a pouco desenvolvendo os seus personagens, Bliss é narrado do ponto de vista de Bliss e por isso, o leitor só consegue ver o que ela vê e o que ela percebe. A princípio Sarah Lynn é retratada como uma garota mimada e insuportável, que muito possivelmente é racista e Sandy é retratada como uma excluída bondosa, que não consegue se enturmar, mas os papeis vão se invertendo, conforme conhecemos melhor as duas personagens. Sarah Lynn não é tão fútil quanto parece e Sandy não tem nada de coitadinha, na realidade, ela tem ideias bem sinistras.
Sandy não só odeia todos os colegas, como tem um ódio especial por Sarah Lynn, de quem ela quer se vingar, além disso, ela está cada vez mais obcecada pelos assassinatos da família Manson. Quando a polícia prende Charles Manson, ela faz um discurso apaixonado a favor do homem responsável pela chacina de oito pessoas.
As personalidades enganadas de Sandy e Sarah Lynn é uma das coisas mais interessantes do livro, é natural que o leitor sinta pena de Sandy e odeie Sarah Lynn, por isso, quando essas perspectivas começam a serem quebradas, tudo fica tão confuso para a gente quanto para Bliss, que está assustada, mas não quer abandonar Sarah e que desde o começo, tem restrições a Sarah Lynn.
Outro ponto instigante de Bliss é justamente a trama envolvendo a família Manson. Não existe qualquer relação entre Bliss e Manson ou os seus crimes, mas a protagonista vive na mesma época em que os assassinatos aconteceram e essa é uma questão na trama. Primeiro porque os crimes da família Manson foram extremamente chocantes e é natural que toda a sociedade tenha ficado assustada, mas também interessada, segundo porque os pais de Bliss são hippies e viviam em uma comunidade e a família Manson também vivia em uma comunidade e é comumente relacionada a cultura hippie, embora não fossem exatamente hippies, o fato de Bliss estar, indiretamente, próxima da família Manson é uma questão que aparece entre suas colegas o tempo todo e que claro, chama a atenção de Sandy, que se torna fã de Manson.
O terceiro motivo é mais uma questão social, uma vez que a década de 60 foi uma década de esperança e mudanças, mas que os crimes de Manson, constantemente ligados ao movimento hippie, a liberdade sexual e a cultura das drogas, fecharam essa década de esperança e mudanças da maneira mais violenta possível, deixando claro, que talvez, a utopia de paz e amor dos hippies nunca pudesse acontecer de fato. Bliss foi criada em uma comunidade hippie, dentro dos valores do movimento hippie e para ela, os crimes de Manson são uma quebra clara dos ensinamentos que ela recebeu a vida toda.
Além disso, a autora usa os crimes de Manson como forma de mostrar que Sandy é uma adolescente perturbada. Embora essa parte da trama seja interessante e de certa maneira se complete, ela não é completamente realista. Sandy é de fato perturbada, mas não é o fato dela estar obcecada por um crime e por sua resolução que faz com que ela seja perturbada. O fato dela achar que Manson é um herói, faz dela perturbada.
Bliss poderia facilmente aproveitar esse clima de suspense que circunda não só os crimes da família Manson, como também a personalidade sinistra de Sandy, Myracle escreve cenas assustadores que revolvem ao redor de Sandy e das coisas que ela revela para Bliss, mas o livro resolve colocar uma trama sobrenatural.
Assim que coloca os pés na escola, Bliss começa a ouvir uma voz, que pede que ela vá a uma parte da escola onde o acesso dos alunos é proibido, claro que a protagonista começa a investigar e descobre a história pregressa de Crestview Academy e uma tragédia que ronda o lugar. A história em si, é bem interessante, mas não combina com o resto da trama. Bliss não só apresenta uma história de suspense que circunda Sandy e sua obsessão por vingança, como também uma trama de fantasmas e de poderes sobrenaturais, que parecem não se conectar. Myracle tenta, mas as duas tramas de fato não ornam. Seria muito mais interessante se a autora tivesse escrito dois livros: um que falasse sobre Sandy e sua mente perturbada e outro que contasse a história de fantasma de Crestview Academy.
Além disso, Bliss traz outros assuntos à tona, alguns mais simples e pessoais como as relações entre as garotas da escola, a adaptação de Bliss em um ambiente que nada parece a comunidade onde viveu antes, o primeiro amor da protagonista e outros um pouco mais universais, como o preconceito racial.
Em Crestview Academy, existe apenas um aluno negro – os meninos não têm aulas com as meninas, mas frequentam o mesmo ambiente -, que não sofre bullying, mas que também não tem muitos amigos, mas conta-se a história de uma aluna negra que teve que sair do colégio, porque era perseguida e todo mundo sabe que o pai de Sarah Lynn faz parte da Ku Klux Klan.
Se as tramas envolvendo amizade e romance até são bem desenvolvidas, embora as vezes, um pouco tediosas, uma questão relevante como o racismo fica a segunda plano. É inteligente que Myracle traga essa questão à tona em um livro que se passa nos anos 60, época em que as escolas estavam começando a se tornar integradas, também é bem esperto a maneira com que ela coloca algumas situações do livro que levam vários personagens a de fato encarem o seu próprio racismo, mas tudo é resolvido de maneira rápida e o leitor não tem a sensação de que essa questão é um grande problema. Mas mais uma vez, o racismo continua um grande problema nos dias de hoje, nos anos 60, então…
Bliss é, certamente, um romance de formação diferente, que coloca sua protagonista no final da década de 60, mas que não aproveita quase nenhum elemento da época, e a sensação que temos é que Bliss poderia ser uma menina vivendo nos dias de hoje, que fez uma amizade infeliz e que morando em uma cidade pequena, se vê frente a frente com o racismo.
Embora tenha um cenário e uma época extremamente bem escolhidos e muito material para conclusões mais profundas e lições mais claras, Bliss apresenta uma trama que se perde, conflitos que não se resolvem e alguns furos absurdos. A trama sobrenatural soa sem sentido, uma vez que a história que envolve Sandy é muito mais interessante e temas relevantes não tem a resolução que merecem.
A escrita, no entanto, não é ruim e o livro prende, por isso, a leitura é fácil, rápida e em muitos sentidos, prazerosa, as conclusões podem ser um pouco frustrantes e o resultado final deixa a desejar, especialmente quando o leitor percebe todo o potencial desperdiçado.
Título original: Bliss
Autora: Lauren Myracle
Gênero: Young Adult, Terror, Suspense
Ano de lançamento: 2008
Editora: Amulet Books
Número de Páginas: 444