“Fico me perguntando se voltarei a rir com vontade, a abraçar uma causa, a comer com prazer ou a escrever romances”
Em 1991, Paula Allende, filha da escritora Isabel Allende, na época com vinte e nove anos, entrou em coma devido a porfiria, uma doença genética, que já atormentava a jovem a um tempo.
Isabel então, passou a ficar o tempo todo ao lado da filha, e enquanto esperava a sua melhora, também escrevia sobre o que aconteceu para que Paula pudesse compreender tudo quando acordasse.
Paula não só acompanha Isabel durante o tratamento de Paula, mas também fala dos ancestrais da família, da infância e juventude de Isabel, do nascimento de Paula e do seu irmão, Nicolás e de acontecimentos no Chile, como a ditadura militar.
Paula é bem diferente de outros livros de Allende. Primeiro porque ele é escrito em primeira pessoa e não é uma ficção, segundo, porque Allende mergulha profundamente em acontecimentos de sua vida e da vida de seus familiares. Paula é para muitas pessoas, a autobiografia de Allende, embora essa não tenha sido a ideia inicial de Allende quando ela escreveu o livro.
Paula surge apenas porque a filha de Allende, Paula, entrou em coma quando tinha vinte e nove anos, e Allende resolveu escrever uma espécie de diário, enquanto acompanhava o tratamento da filha e são essas anotações, que depois, foram coletadas, organizadas e transformadas no livro.
A obra começa exatamente no dia em que Paula passa terrivelmente mal e é levada as presas para o hospital, esse é o único vislumbre que o leitor tem de Paula no presente, uma vez que assim que é internada, ela entra em coma e não acorda mais. No começo, Allende passa bastante tempo nos dando detalhes da doença de Paula, que já vinha atormentando a jovem a algum tempo, dos procedimentos da internação e dos poucos tratamentos que Paula recebe. Allende e sua família tentam todas as opções possíveis, mas não existe nenhum tratamento real que possa curar a doença de Paula ou a fazer sair do coma.
O livro logo começa a tomar outros caminhos. Allende volta no tempo e fala sobre seus ancestrais, sua infância, sua juventude, o casamento, o nascimento dos filhos e o período em que o Chile viveu sob a ditadura militar, que fez com que Allende e sua família saíssem do país. Ela intercala esses momentos do passado, que são consideravelmente mais interessantes, com os detalhes sobre o progresso de Paula, que são passagens mais paradas, mas ainda assim, muito bem escritas por Allende.
A autora é muito honesta e não esconde quase nenhuma informação, ela conta segredos de família, fala sobre tabus, dá detalhes de um abuso sexual e fala abertamente sobre a ditadura e o leitor não pode evitar de se emocionar com a história de vida de Allende e claro, se conectar cada vez mais com ela. Allende fala sobre o nascimento e o crescimento de Paula e quando nos deparamos com Paula, agora adulta e presa a uma cama, nos sentimos muito próximos da mãe, que se divide entre a vontade de que a filha fique viva, mas presa a uma cama ou se vá e pare de sofrer.
É justamente porque o livro é muito honesto que ele é considerado uma autobiografia de Allende, você sai da leitura sabendo tudo sobre a vida da escritora e sua sinceridade é chocante, bonita e emocionante. Embora Paula fale sobre todos esses assuntos, ele dá mais destaque aos acontecimentos que dizem respeito a Paula, tanto a sua doença, quanto a sua infância e adolescência, onde Allende nos apresenta a filha e podemos entender quem foi Paula antes de estar presa a uma cama.
Paula é um livro angustiante, ainda mais quando sabemos que Paula nunca acordou do coma e morreu em 1992. Allende, como é natural, tenta de tudo e se recusa a sequer pensar na possibilidade de dizer adeus a sua filha, até o momento em que ela percebe que talvez Paula nunca mais volte a ser Paula e que mesmo que ela viva, continuará presa a cama.
Os eventos da vida de Allende, no entanto, são muito interessantes. É sempre bom ter acesso a vida particular de uma pessoa que gostamos e admiramos e é isso que acontece aqui. Para quem já leu os trabalhos ficcionais de Allende, é muito fácil reconhecer elementos de suas tramas na sua vida. A relação de Allende com seu avô e as vidas pregressas de seus ancestrais, estão muito presentes em A Casa dos Espíritos, o primeiro livro da autora, e é ótimo entender de onde vieram algumas das ideias de Allende.
Para além disso, Paula também fala de eventos importantes na história do Chile, como a ditadura militar, que Isabel viveu e de qual ela foi vitima, já que teve que fugir do país depois que começou a receber ameaças de morte. A vivência de Allende dessa época é muito pessoal, uma vez que ela é sobrinha de Salvador Allende, o presidente deposto no golpe de 1973. Salvador era irmão do pai de Isabel, de quem ela não era muito próxima, mas como ela mesma conta em Paula, sua relação com Salvador era ótima e ele frequentava a casa de Isabel.
A prosa de Allende é sempre muito bonita e aqui não é diferente, mesmo escrevendo em um diário e sem qualquer intenção de publicar suas anotações, Allende ainda escreve majestosamente e suas palavras prendem o leitor de maneira rápida, é impossível soltar Paula. A leitura é rápida e muito prazerosa, mas também é triste e angustiante.
Paula é um grande desabafo de Allende, que na tentativa de compreender porque sua filha de vinte nove anos definha em uma cama, volta ao passado e nos conta sobre tudo e todos que formaram Paula.
Paula nunca chegou a ler o livro, ele só foi publicado depois de sua morte, o leitor que tem acesso a ele, no entanto, recebe um presente triste, mas ainda assim, lindo e emocionante.
Título no Brasil: Paula
Título Original: Paula
Autora: Isabel Allende
Tradução: Irene Moutinho
Gênero: Não ficção, Autobiografia
Ano de lançamento: 1994
Editora: Bertrand Brasil
Número de Páginas: 378
Foto: Fernanda Cavalcanti
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