Anne Shirley (Amybeth McNulty) é uma órfã de treze anos, que foi finalmente adotado pelos irmãos Marilla (Geraldine James) e Matthew (R. H. Thomson) Cuthberth, mas quando chega na casa deles, descobre que na verdade, eles queriam um menino para ajuda-los na fazenda.
Matthew rapidamente simpatiza com Anne, mas Marilla quer manda-la de volta para o orfanato imediatamente. Anne os convence a lhe dar uma chance e os irmãos aceitam ficar com ela por uma semana, a menina, então, decide provar que ela é prestativa e útil, enquanto se adapta a essa nova vida.
Anne com um E é inspirada no livro Anne de Green Gables e nas suas continuações, escritos por L. M. Montgomery.

Anne de Green Gables e suas continuações são clássicos da literatura infanto-juvenil da língua inglesa, mas nunca fizeram muito sucesso aqui no Brasil. Foi justamente a série Anne com um E que finalmente, popularizou a história e consequentemente, os livros por aqui.
O primeiro livro foi publicado em 1908 e segue a história de Anne, uma menina que perdeu os pais ainda bebê, e que aos treze anos é adotada por um casal de irmãos. Anne é empolgada, divertida, inteligente, criativa e sonhadora e é quase impossível não simpatizar com a menina.
Quando chega na casa de Marilla e Matthew, no entanto, ela descobre que sua adoção foi engano e que os dois não queriam uma filha e sim, um menino para trabalhar na fazenda da qual eles são donos. Desapontada, Anne tenta convencer os dois a adota-la mesmo assim, dizendo que ela mesma pode fazer o trabalho que eles tinham pensado para o menino.

Como o público, Matthew simpatiza com Anne rapidamente, mas Marilla é um pouco mais durona. Como é fácil de prever, Anne acaba ficando na casa dos Cuthberth, e se torna a filha dos dois, ela começa a ir para a escola e conviver com as pessoas locais.
O livro é bem infantil e até um pouco bobinho. Ele trata sim, de alguns temas bem pesados, como a condição dos órfãos na época e o trabalho infantil, mas tudo é bem mastigado e retratado em uma aura quase fantástica, lemos o livro do ponto de vista de Anne, que é uma menina sonhadora, que tende a criar uma realidade que não existe.
A série segue outro caminho, a ideia é trazer uma versão um pouco mais sinistra da obra original, que analisa temas mais sérios e que em função disso, se torna mais realista. Aqui Anne ainda é uma menina que sonha demais e que vive em um mundo de fantasia, mas toda essa ilusão é a maneira que a menina encontrou para lidar com as dificuldades que a vida lhe impõe.

Anne sofria bullying no orfanato onde vivia e antes de morar com os Cuthberth foi criada de uma família, que a maltratava. A série mostra flashbacks desses momentos, que são pesados, especialmente dentro de uma obra que parece leve como essa, e que em muitos sentidos, são assustadores. Aqui os traumas de Anne são bem ressaltados, mesmo que ela nem sempre fale deles ou se deixe afetar por eles.
O tom da obra também é consideravelmente mais adulto, assuntos como primeira menstruação, sexo e igualdade de gêneros, que são questões que sequer são citadas no livro, ganham bastante destaque aqui. A série retrata todos esses temas de maneira inocente, mas eficiente e essa é uma modernização que funciona muito bem.
Anne com um E acaba se tornando uma série feminista, uma vez que a protagonista é desprezada no início, justamente por não ser um menino, que na teoria, teria mais habilidade para o trabalho braçal da fazenda. Essa é a primeira questão que irrita Anne, que sente que ela tem as mesmas qualidades – ou até mais – que qualquer menino. O tema segue na trama, conforme ela começa a ir para a escola e a perceber que os meninos da turma sempre têm mais vantagens do que as meninas.

Se o livro é inocente e infantil demais, a série consegue falar com pessoas mais jovens e com adultos ao mesmo tempo, enquanto ainda traz questões atuais.
Também é bem interessante a maneira com que Anne com um E insere a comunidade do local onde Anne mora na série. Logo que chega na cidade, Anne é automaticamente mal vista por todos, ela, inclusive, escuta pessoas falando mal dela em uma festa da cidade. Mais tarde, ela se torna amiga de Diana Barry (Dalila Bela), mas não agrada os pais da menina.
A relação de Anne com os outros alunos da escola também é instigante e rende bastante. No começo, ela tem dificuldades em fazer amigos e é rechaçada pelas meninas da turma, mas como o telespectador e os Cuthberth, ela pouco a pouco conquista seus colegas e se torna amiga deles. Gilbert Blythe (Lucas Jade Zumann), um dos colegas de classe de Anne e Diana, também ganha bastante destaque e fica claro que ele se interessa por Anne e que mais cedo ou mais tarde, irá se desenvolver um romance entre os dois. Nessa temporada, no entanto, tudo fica só insinuado, afinal, os personagens tem apenas treze anos.

Anne com um E também chama atenção em relação aos seus aspectos técnicos, a série é muito bem produzida. A fotografia é clara e tem tons terrosos e verdes, que dão bastante destaque a natureza exuberante presente no local onde Anne vive, quando acompanhamos os flashbacks, que são mais pesados, a fotografia se torna escura e se aproxima da fotografia de um filme de terror.
Essas cores também estão presentes nos figurinos de Anne, que naturalmente, são bem simples e gastos no começo, mas que com o tempo vão se tornando um pouco mais coloridos. Diana, que nasceu em uma família rica, por sua vez, tem roupas mais coloridas e mais bonitas que as de Anne, o que também acontece com grande parte das colegas de escola da protagonista.
Essa também é uma forma de mostrar que Anne é diferente de todos, não só porque ela é órfã e pobre, mas porque sua personalidade é exuberante. Mesmo que no começo ela chame a atenção de maneira negativa, ela conquista seus colegas com seu jeito divertido e cativante. Suas roupas simples são um contraponto a sua personalidade, que é grandiosa.

É impossível não se apegar a Anne, não só porque ela é uma excluída na maioria dos momentos, mas porque ela é de fato muito animada e muito otimista, mesmo quando ela percebe que talvez vá ser mandada de volta para o orfanato, ela mantém sua fé. Da mesma maneira que ela conquista Marilla, Matthew e as crianças da escola, ela conquista o telespectador e esse é um mérito de Amybeth McNulty, que não só tem a aparência perfeita para interpretar Anne, como evoca essa personalidade animada e esperançosa, que consegue ser fofa e exagerada ao mesmo tempo.
A série tem, aliais, ótimas atuações do elenco jovem. Todas as colegas de classe de Anne se saem muito bem e divertem a plateia, enquanto Lucas Jade Zumann e Dalila Bela, que ganham mais destaque, convencem muito na pele de Gilbert e Diana, respectivamente.

Anne com um E trata de temas como bullying e violência, mas também fala sobre amizade, sobre a necessidade de se encaixar ou não e sobre acreditar em si mesmo e nos seus sonhos e é uma boa pedida não só para o público jovem, que talvez se veja em Anne, como também para o público adulto, que certamente vai simpatizar com a protagonista.
A série moderniza um clássico da literatura infanto-juvenil e entrega um trabalho lindo, mas que também se comunica com os dias de hoje. A série está disponível na Netflix.
Título no Brasil: Anne com um E
Título original: Anne With an E
Elenco: Amybeth McNulty, Geraldine James, Dalila Bela, Lucas Jade Zumann, Aymeric Jett Montaz
Gênero: Drama
Duração do episódio: 60min
Número de episódios: 7
Ano: 2017
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