“Naquela noite, tomei em silêncio a decisão de concordar com tudo que eles tinham em mente, a vergonha e a raiva se acomodaram em meu peito, preenchendo espaços que eu havia reservado para o amor, espalhando-se sob minha pele como um hematoma invisível”.
Boy Erased: Uma Verdade Anulada conta a história real de Garrard Conley. Filho de um pastor e criado dentro da religião batista, em uma família extremamente conservadora, Garrard sempre se sentiu muito confuso em relação a sua própria sexualidade. Embora ele tenha percebido que se sentia atraído por outros garotos na pré-adolescência, ele manteve namoros heterossexuais e se questionava se a sua orientação sexual não era um pecado, que o mandaria direto para o inferno.
Aos dezenove anos, na faculdade, ele começa a se libertar e sair com alguns garotos, mas é vítima de um estupro, e o seu estuprador conta para os seus pais que Garrard é gay. Os pais do autor então resolvem que ele precisa passar por uma “cura” e Garrard se vê levado a uma “clínica”, onde deve mudar suas orientações através de atividades que remontam seu passado, sua árvore genealógica e possíveis traumas que poderiam ter causado sua homossexualidade.
A primeira coisa que chama atenção sobre Boy Erased: Uma Verdade Anulada é que o livro é inspirado em uma história real e que tudo que Garrard narra na obra aconteceu mais ou menos em 2005. Garrard vem de um background onde a homossexualidade é muito condenada, ele é o filho único de um pastor batista, que acredita que ser gay é pecado. Criado nesse meio, parece natural que Garrard, quando notou que era homossexual, se viu em uma situação terrível e muito conflituosa, afinal, ele também acreditava que sua orientação sexual era um pecado.
Vivendo com seus pais, Garrard nunca consegue ser quem ele de fato é e por isso, só se sente liberto na faculdade, onde começa a sair com outros garotos e ainda assim, continua se sentindo culpado e questionando se o que está fazendo é correto.
Boy Erased: Uma Verdade Anulada cobre praticamente toda a vida de Garrard até o final de sua adolescência, quando ele finalmente se viu livre do tratamento e passou de fato a se aceitar, e por isso, mergulha a fundo nessa história. O livro é narrado em primeira pessoa, como uma biografia, o que dá ao leitor a sensação de que estamos muito próximos da verdade, ou pelo menos da verdade para Garrard, que é o biografado.
O autor parece muito sincero em relação aos vários aspectos de sua vida, ele fala sobre a atração que sentia por outros garotos desde o começo da puberdade e até de alguns flertes leves que teve antes da faculdade, ao mesmo tempo que divide com o leitor a dúvida e a culpa que ele guarda. Até os momentos mais pesados da jornada de Garrard, como seu estupro e sua terapia são descritos com detalhes.
A ideia de Garrard ao escrever o livro é justamente mostrar os perigos não só da “cura gay”, que não existe, uma vez que a homossexualidade não é uma doença, como também da homofobia e da falta de conhecimento. O autor não condena seus pais, porque compreende que eles não sabiam o que estavam fazendo, tinham ideias muito erradas, e que eles estavam influenciados pela religião. Ele condena, no entanto, a falta de busca por conhecimento, a falta de entendimento e a consideração da religião acima de tudo, inclusive por ele mesmo, que foi criado nesse ambiente e passou anos se condenando.
Não é à toa que o próprio Garrard acredita que ele deve ir para a terapia, por mais que seus pensamentos se dividam em relação a isso.
A história de vida de Garrard é triste, pesada e muito dura de ler, não só pelo que ele passou, mas também pela falta de compreensão que ele recebeu de seus pais, que não só não o apoiaram, como também o condenaram simplesmente por ele ser quem ele é, mas também é muito inspiradora, porque conforme vamos lendo, percebemos que ele deu a volta por cima e conseguiu se entender, se aceitar e perdoar seus pais e as pessoas que lhe fizeram mal.
A terapia que Garrard descreve é absurda e criminosa, os métodos são sessões de terapia em grupo, feitas por pessoas que não são psicólogas, trabalhos sobre os “vícios” presentes na família, e uma constante observação sobre os trejeitos, maneira de falar e maneira de se posicionar dos jovens que participam. Além disso, o tratamento também, supostamente, “cura” a pedofilia, que para eles está na mesma categoria de “doença” que a homossexualidade. A ideia de “cura gay” já é extremamente assustadora, quando se pensa nos motivos arbitrários que aqui são usadas, percebe-se que eles estão baseados em estereótipos que não são nada realistas.
Boy Erased: Uma Verdade Anulada é um livro muito pesado e muito duro, que talvez não seja para todas as pessoas, mas ele é muito importante, porque fala de um assunto sério, que pode ser muito perigoso, a obra serve como um aviso contra a pratica da “cura gay” e contra a homofobia. A leitura, no entanto, embora difícil é rápida e o livro prende.
Boy Erased: Uma Verdade Anulada está longe de ser um livro divertido, que serve para esquecer a vida e embarcar em outra história, mas é um trabalho importante e relevante, que merece ser não só lido, como também absorvido, para que histórias como a de Garrard nunca mais se repitam.
Título no Brasil: Boy Erased: Uma Verdade Anulada
Título Original: Boy Erased: A Memoir
Autor: Garrard Conley
Tradução: Carolina Selvatici
Gênero: Não Ficção, Autobiografia, LGBTQIA+
Ano de lançamento: 2016
Editora: Intrínseca
Número de Páginas: 320
Foto: Fernanda Cavalcanti