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Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura, Charlotte Gordon

“O que as sustentava era sonhar com o dia em que, muito depois de sua morte, seus leitores concordariam com suas ideias: que as mulheres são iguais aos homens; que todas as pessoas merecem os mesmos direitos; que a razão humana e a capacidade de amor podem melhorar o mundo; que os grandes inimigos da felicidade são a ignorância, a pobreza, a crueldade e a tirania e que toda pessoa tem direito a justiça e a liberdade”.

Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura é uma biografia tanto de Mary Wollstonecraft, escritora de Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher, um dos primeiros livros feministas, quanto de sua filha, Mary Shelley, escritora de Frankenstein e uma das pioneiras na ficção cientifica literária.

O livro acompanha essas duas mulheres desde os seus nascimentos – e no caso de Shelly até antes, já que o livro também fala da vida de sua mãe – até suas respectivas mortes.

Frankenstein, a obra mais famosa de Shelley, é até hoje muito lembrado, embora ele tenha sido mal compreendido ao longo dos anos e boa parte das suas adaptações seja muito mais focada na criatura, erroneamente chamada de “o monstro”, do que no egoísmo e no complexo de Deus de Victor Frankenstein, o criador e verdadeiro monstro da história, mas a vida de sua escritora, Mary Shelley, raramente é explorada. A vida de Mary Wollstonecraft, mãe de Shelley e uma das expoentes na literatura feminista, então, foi praticamente esquecida.

Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura chega com a intenção de clarear a vida dessas duas mulheres para o público: o livro é uma biografia de Wollstonecraft e de Shelley, que se foca com bastante afinco na vida das duas e que também faz uma comparação entre elas.

Antes de tudo é importante lembrar que Wollstonecraft e Shelley não se conheceram de fato, Wollstonecraft morreu dez dias depois de dar à luz a Shelley e passou pouco tempo com a filha, que nasceu tão pequena e magra que ninguém acreditava que iria sobreviver. Como Wollstonecraft foi infectada por um médico que não lavou as mãos antes de fazer o parto dela, a mãe não pode nem amamentar a filha. Em função disso, a maioria dos estudiosos acreditava que Wollstonecraft teve pouca influência na vida de Shelley, que foi criada pelo pai e mais tarde, por uma madrasta de quem ela não gostava, mas Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura mostra outra coisa.

O livro intercala capítulos que contam a vida de Wollstonecraft e de Shelley, portanto, ele pode ser lido de uma vez só, e o leitor pode acompanhar mãe e filha em épocas de vidas próximas, parecidas e em muitos momentos, praticamente iguais ou pode ler primeiro a vida de uma e depois a de outra, se quiser acompanhar essas histórias de maneira linear. Eu li o livro de uma vez só, portanto, com os capítulos intercalados e não achei confuso, muito pelo contrário, a experiência foi bem interessante, já que pude ver com clareza a semelhança das vidas das duas e como Wollstonecraft incentivou a filha, mesmo não estando perto dela.

Wollstonecraft nasceu 1759, e era a filha mulher mais velha de uma mãe extremamente submissa e um pai alcoólatra e violento. Seu irmão mais velho – o favorito dos pais – teve permissão para estudar, mas Wollstonecraft foi obrigada a ficar em casa e cuidar das suas irmãs mais novas. Wollstonecraft cresceu assistindo a tragédia familiar e proibida de estudar, e esses aspectos de sua biografia foram as sementes para que ela se tornasse uma fervorosa defensora dos direitos das mulheres.

Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura passa por todo o período de sua vida, destacando aspectos de sua vida pessoal e de sua vida profissional, chegando ao ponto de, inclusive, dar detalhes sobre os livros que a autora escreveu. O livro também cobre períodos menos graciosos da trajetória de Wollstonecraft, como a rejeição que ela recebeu quando publicou Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher, seu livro mais famoso e o período de depressão depois que foi abandonada pelo pai de sua primeira filha, Fanny.

Já Shelley nasceu Mary Wollstonecraft Godwin, em 1797, ela já teve uma criação menos machista que a da mãe, uma vez que seu pai, William Godwin, que também era escritor, pensava como Wollstonecraft e acreditava que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos que os homens. No entanto, Shelley teve problemas com o pai e também com a sociedade quando se apaixonou por Percy Shelley, que na época já era casado e tinha uma filha, os dois fugiram juntos – levando a filha da madrasta de Mary – e William parou de falar com a filha até que ela oficializasse a união com Shelley, o que só aconteceu depois que a primeira esposa de Percy Shelley se suicidou.

Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura faz com a filha a mesma coisa que faz com a mãe: esmigalha a vida inteira dela, dando ênfase tanto a sua vida pessoal, o que inclui as brigas com Percy e as fofocas sobre o supostos casos do marido, quanto sua carreira, a obra não fala só de Frankenstein, mas também de outras obras menos famosas de Shelley, como Matilda e Valperga.

Como Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura intercala as vidas de mãe e filha é fácil notar como a vida das duas tem aspectos em comum: as duas acreditavam na igualdade entre os sexos, as duas se tornaram escritoras, as duas tiveram filhos fora do casamento e as duas lidaram com uma sociedade extremamente machista que não compreendeu nem suas obras, nem seus talentos e habilidades. Também é fácil perceber que Shelley espelhou toda a sua vida nas ideias que sua mãe pregava, como a mãe, ela acreditava na igualdade entre as pessoas, independente de seus gêneros e tinha a certeza de que a arte e a educação poderiam mudar o mundo e que Wollstonecraft escreveu sobre os direitos das mulheres sabendo que ela e sua geração, muito possivelmente, não colheriam frutos de sua obra e das mudanças sociais que ela acarretaria, mas pensando que talvez suas filhas e as mulheres de outras gerações pudessem, enfim, ter vidas melhores.

Outra coisa que fica clara é como essas duas mulheres eram modernas para a suas épocas. Wollstonecraft foi uma mulher que se recusou a se casar durante muitos anos e que resolveu ter e criar uma filha sozinha em 1794. Ela era terminantemente contra o casamento, porque achava que essa era uma instituição que oprimia as mulheres, e só se casou com William Godwin – quando ele concordou em ter um casamento igualitário –  para que Shelley não sofresse os mesmos preconceitos que a irmã, Fanny, sofreu. Já Shelley não só escreveu o primeiro livro de ficção cientifica da história, como também saiu de casa para viver com um homem casado, em uma época onde isso era suficiente para acabar com a vida de uma mulher.

A obra também mergulha na vida das pessoas que fizeram parte da vida dessas mulheres, como Claire, a filha da madrasta de Shelley, que manteve um relacionamento com Lord Byron – e alguns especulam com o próprio Percy Shelley -, Fanny, a meia-irmã de Shelley, que passou a vida toda marcada por ser filha de mãe solteira, mesmo quando William passou a trata-la como filha, Lord Byron e John Polidori, que estavam com Mary e Percy Shelley quando ela teve a ideia para escrever Frankenstein e também dos homens da vida de Wollstonecraft e de Shelley. O livro fala sobre o pai da primeira filha de Wollstonecraft, Gilbert Imlay e sobre o William Godwin e no caso de Shelley, de Percy Shelley.

Também é interessante notar que os três homens em questão eram considerados modernos e aliados do feminismo, mas os três ainda se comportavam como homens de sua época, Godwin gostava das obras de Wollstonecraft, mas quando a conheceu pela primeira vez, achou que ela era incisiva demais e que dava muitas opiniões e só se apaixonou por ela quando a reencontrou durante seus estados depressivos, em que estava mais quieta. Shelley escrevia poemas sobre a igualdade social e de gêneros, mas largou sua esposa e sua filha para viver com Mary e mais tarde, quando já casado com Mary, teve uma série de casos extraconjungais, especula-se que inclusive com a irmã de Mary.

A leitura de Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura é rápida e fácil, embora o livro seja grande e aborde muitos períodos da vida dessas duas mulheres, ele flui muito bem e Wollstonecraft e Shelley tiveram vidas tão interessantes que é impossível largar o livro. Também tem que se destacar a qualidade da pesquisa de Charlotte Gordon, que fala até de detalhes muitos específicos das vidas dessas mulheres e que é muito bem-feita.

Mary Wollstonecraft e Mary Shelley de fato, eram mulheres muito à frente de seus respectivos tempos e que nunca receberam os créditos que mereciam, Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura não só dá bastante destaque a essas questões, mas também fala das vidas particulares dessas mulheres e do que acontecia ao redor delas enquanto elas compunham obras tão importantes para a literatura e prova o quão extraordinárias essas mulheres realmente eram.

Título no Brasil: Mulheres Extraordinárias: As Criadoras e a Criatura

Título original: Romantic Outlaws: The Extraordinary Lives of Mary Wollstonecraft and Her Daughter Mary Shelley

Autora: Charlotte Gordon

Tradução: Giovanna Louise Libralon

Gênero: Não Ficção, Biografia

Ano de lançamento: 2015

Editora: Darkside

Número de Páginas: 624

Foto: Fernanda Cavalcanti

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