Abby e Gretchen são melhores amigas desde a infância e passam todo o tempo livre juntas. Já na adolescência, as duas, junto com um grupo de amigas, decidem experimentar ácido em uma noite e depois dessa experiência Gretchen volta completamente mudada.
Ela, que antes era simpática, agradável e divertida, se torna ranzinza, grosseira, e passa a tratar Abby mal, além disso, ela usa sempre as mesmas roupas e parece não tomar banho ou lavar o cabelo, seu rosto explode de espinhas e em algumas ocasiões, ela vomita na escola sem nenhuma explicação.
Abby então, chega à conclusão de que Gretchen está possuída por um demônio, e agora está disposta a fazer tudo para salvar sua melhor amiga.
Em função de sua sinopse, O Exorcismo da Minha Melhor Amiga parece ser um livro de terror, mas ele não é exatamente isso, o livro faz referência a filmes trashs dos anos 80, especificamente voltados para o público adolescente, que tem um clima de terror e elementos sobrenaturais ou fantásticos, mas que tem alguns elementos de comédia ou de drama. O Exorcismo da Minha Melhor Amiga se passa nos anos 80 e faz uma série de referências a essa década, ele não é um livro propriamente engraçado, especialmente depois que Gretchen começa a mudar seu comportamento, mas ele tem algumas cenas divertidas.
O livro acompanha Abby, uma menina tímida, que no começo da pré-adolescência fica amiga de Gretchen, a novata na cidade, elas são retratadas, inicialmente como excluídas, mas na adolescência elas já são as típicas meninas populares de filmes americanos e andam com duas meninas que antes não gostavam delas: Margaret e Glee. A obra também estabelece bem cedo que Abby e Gretchen são muito amigas e tem uma espécie de conexão quase inexplicável.
Nesse sentido, o livro se sai relativamente bem quando retrata a vida dessas meninas adolescentes, que só se desgrudam quando são obrigadas, ainda que alguns momentos pareçam um pouco artificiais, talvez isso se dê para que o livro tenha esse clima de filme dos anos 80, que está muito presente do começo até o fim de O Exorcismo da Minha Melhor Amiga.
As coisas começam a mudar depois que as meninas tomam LSD e Gretchen se perde em uma floresta, quando ela retorna, ela parece traumatizada e Abby, Margaret e Glee acreditam que ela teve uma bad trip e que o efeito da droga vai passar na manhã seguinte, mas isso não acontece e Gretchen começa a se comportar de maneira cada vez mais estranha: ela se torna grosseira e mal-humorada, passa a tratar Abby mal, despreza e humilha a amiga na frente dos outros, começa a causar a discórdia entre o grupo de amigas e adquiri alguns hábitos que não combinam com ela, como por exemplo, não tomar banho, lavar o cabelo ou trocar de roupa. Em alguns momentos, no entanto, Abby é capaz de ver a velha Gretchen, que parece pedir ajuda.
O terror se dá através dessa mudança de comportamento drástica de Gretchen, O Exorcismo da Minha Melhor Amiga estabelece desde o princípio que embora a trama se passa em um universo realista, ela tem elementos fantásticos, então, a suposição de que Gretchen esteja mesmo possuída, que claro, se confirma, não soa absurda ou surreal. No entanto, existem uma série de interpretações que podem ser feitas a partir das mudanças de comportamento de Gretchen, primeiro porque Abby e Gretchen estão entrando na adolescência, o que de fato, causa várias mudanças de comportamento e físicas, as mudanças podem ainda representar o crescimento dessas duas personagens e o afastamento dessa amizade tão intensa até aquele momento, mas que pode não ter o mesmo apelo na fase adulta das duas. Em determinado momento, Abby aventa a possibilidade de que Gretchen tenha sido estuprada na floresta, quando desapareceu e o comportamento dela também poderia ser o reflexo de um trauma como esse. Nada disso é dito no livro e o que O Exorcismo da Minha Melhor Amiga nos apresenta é simples e claro: Gretchen está possuída por um demônio e Abby, sua melhor amiga, é a única que percebe isso, as outras hipóteses são apenas interpretações.
A escolha de personagens é outro ponto interessante de O Exorcismo da Minha Melhor Amiga, o autor Grady Hendrix fala sobre duas adolescentes que são melhores amigas inseparáveis e é difícil pensar em algum outro tipo de relação que seja tão intensa, para o bem e para o mal, quanto a relação de meninas adolescentes e suas melhores amigas. Não é à toa que Abby é a única pessoa que parece perceber que a mudança de Gretchen não é normal e não é uma fase, mas sim tem uma explicação muito mais sinistra por trás, isso acontece porque Abby e Gretchen conhecem uma a outra como a palma da mão e por que até aquele momento, elas não escondem nenhum segredo uma da outra. O laço de amizade extremamente forte entre as duas é um dos pontos que não só vai no futuro ajudar na solução do problema, mas também que tornam essa trama mais crível, o leitor percebe, logo de cara, que essas meninas estão dispostas a fazer tudo uma pela outra.
O livro tem ainda outras camadas interessantes, essas adolescentes vivem nos anos 80, em uma cidade pequena e em vários momentos do livro não são levadas a sério, como normalmente acontece com adolescentes, mas especialmente com mulheres. Nem os pais de Abby ou Gretchen, nem os amigos e nem os professores delas acreditam que Gretchen está possuída. Isso também fica claro quando Abby traz à tona para algumas pessoas a possibilidade de Gretchen ter sido estuprada e é desacreditada por todas as pessoas com quem ela conversa, o que fala muito com o mundo real. Existe um recorte ainda maior nessa história: Margaret, Gretchen e Glee são de famílias ricas e Abby é de uma família de classe média baixa, ela vive em um bairro de periferia, em determinado momento quando ela fala com o diretor da escola sobre Gretchen, e Gretchen já está possuída, ele acredita muito mais na palavra de Gretchen, que vem de uma família tradicional e cheia de dinheiro, do que na palavra de Abby, embora a segunda esteja falando a verdade.
O Exorcismo da Minha Melhor Amiga é também um poço de referências: ele não só é claramente uma homenagem aos filmes de terror dos anos 80 – embora a sua trama lembre muito o mais recente Garota Infernal, de 2009 -, que tem até aquele clima muito típico do subgênero e segue aquele caminho onde os adolescentes são os únicos capazes de resolverem os problemas, porque eles também são os únicos que acreditam no que veem, como também cita filmes e músicas dessa época, o que é muito legal para quem viveu nessa época ou gosta dessa época. Os capítulos do livro, inclusive, têm nomes de músicas da década de 80. Claro que é sempre importante ressaltar que essas referências são totalmente americanizadas e dizem respeito a cultura dos Estados Unidos, mas como é isso que também vemos nos filmes dos anos 80, não é algo que vai saltar aos nossos olhos.
A leitura de O Exorcismo da Minha Melhor Amiga é rápida e muito prazerosa, o universo que o autor criou é de fato muito interessante e a amizade dessas duas meninas é muito crível, também existe uma certa inovação na junção dessa trama de terror, com aspectos tão claros da década de 80 que quase se tornam um pastiche. O livro se torna um pouco lento mais para o final, mas não é nada que atrapalhe a leitura como um todo.
O Exorcismo da Minha Melhor Amiga é um livro que mistura terror, comédia e drama, e que se sai bem na maneira com que ele constrói não só a trama, mas também reconstrói essa nostalgia da década retratada, e que obviamente vai agradar os fãs de terror, mas que também tem chances de prender a atenção de quem busca uma história sobre amizade acima de tudo.
Título no Brasil: O Exorcismo da Minha Melhor Amiga
Título original: My Best Friend’s Exorcism
Autor: Grady Hendrix
Tradução: Edmundo Barreiros
Gênero: Terror, Young Adult
Ano de lançamento: 2016
Editora: Intrínseca
Número de Páginas: 320
Foto: Fernanda Cavalcanti
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