O ano é 2012 e o cardeal Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce) está determinado a se aposentar. Quando ele viaja a Roma para informar ao papa Bento XVI (Anthony Hopkins) dos seus planos, é surpreendido com a proposta de Bento: que Jorge assuma o posto de Papa.
Dois Papas é inspirado em uma história real e esse é um dos pontos mais interessantes do filme. A renúncia do papa Bento ainda é um fato relativamente recente, o que quer dizer que as pessoas que vão assistir ao filme agora ainda se lembram do que aconteceu e podem comparar o que sabem com o que filme mostra.
Para os que verão o filme daqui a um tempo e que talvez não eram nascidos ou não se lembram da renúncia do papa, Dois Papas vai ser um filme que fala sobre um acontecimento real antigo, mas que ainda vai fornecer conhecimento ao espectador.
Mas claro que o que foi divulgado na mídia na época do acontecimento não é a situação completa, Dois Papas parece querer reverter essa situação e mostrar a intimidade de Jorge e Bento. Pode-se discutir que provavelmente muito do que é mostrado no filme não aconteceu de fato, talvez ninguém além dos dois papas em questão saibam o que aconteceu de fato, mas Dois Papas pelo menos tenta.
A ideia de humanizar os dois papas é muito boa, ainda mais nos dias de hoje, uma vez que apesar da igreja católica e suas figuras sempre despertarem uma certa aura de respeito, atualmente, o número de pessoas que frequentam a igreja e que acreditam nos preceitos do catolicismo é cada dia menor. É interessante transformar figuras tão austeras como as dos papas em pessoas como outras qualquer.
Em Dois Papas Jorge e Bento conversam sobre suas dúvidas, suas fraquezas, seus desejos e até sobre coisas bem mais simples, como filmes, livros e futebol. O filme vai tão a fundo nessa ideia de humanizar os dois homens, que mostra as suas vidas pregressas e os relacionamentos que eles tiveram antes disso.
Dois Papas também não se escusa de temas polêmicos, como o fato de Bento ter feito parte da juventude Hitlerista ou de Jorge ter fechado os olhos para o que acontecia durante a ditadura militar na Argentina. Os dois fatos, que aqui são claramente mostrados como erros, mostram mais uma vez que a perspectiva de Fernando Meirelles é a de mostrar os dois homens como humanos, muito mais do que como santos.
Talvez isso afaste um pouco o público que é católico fervoroso, mas é importante ressaltar que Dois Papas não é desrespeitoso nem com a igreja, nem com a religião e nem com os homens que retrata, ele apenas tira um pouco da seriedade que ronda o cargo.
O filme opta por mostrar Jorge quase como um herói, que dispensa todas as convenções e as riquezas da igreja e que parece apenas interessado em fazer o seu trabalho da melhor maneira possível, essa parece uma ideia que combina com a imagem que Jorge passa até hoje, uma vez que ele foi o primeiro papa a falar sobre homossexualidade e recentemente, ele extinguiu o segredo pontifício que protegia todos os casos de pedofilia na igreja. Jorge é um papa que é admirado até por quem não é católico, em função das suas ações.
No filme, Meirelles também o mostra assim, como um homem, que refletiu sobre o que viu do mundo e mudou de ideia sobre muitas coisas, inclusive sobre coisas que são tabus dentro da igreja católica.
Já Bento, que é um papa que não teve muita boa fama e que nem era tão simpático quanto Jorge, é mostrado no começo, como ambicioso e louco para receber o título de papa e mais tarde, como mais reservado e um pouco mais antiquado. Bento e Jorge descordam em muitas questões, mas isso não os torna menos amigos.
No filme, eles são retratados como opostos, como se um completasse o outro, até na maneira em que se vestem.
Dois Papas também coloca o seu telespectador dentro da votação para a escolha do novo papa, que é um ritual ao qual poucas pessoas tem acesso, por isso é interessante ver isso no cinema.
Existe também muito cuidado em relação a parte técnica do filme, as caracterizações são de fato extremamente parecidas e a sensação que se tem durante o filme é que estamos de fato vendo Jorge e Bento em cena, como em um documentário. Isso também vale para o interior do vaticano, que é belamente adornado e de maneira muito rica e cara.
Claro que boa parte dessa sensação de que estamos de frente para os papas também se deve as incríveis atuações de Pryce e Hopkins, não é novidade que os dois são grandes atores, e fica obvio que houve muita pesquisa, uma vez que eles gesticulam, se movem e falam como os biografados. É difícil até dizer qual dos dois atores está melhor em seu papel, mas vale dizer que não existe qualquer perfume de algum outro personagem que qualquer um dos dois tenham interpretado antes, Hopkins é claramente Bento e Pryce é Jorge.
A única questão de Dois Papas que pode ser negativa é a sua duração, o filme tem 2h06min. Claro que a história é ótima e a atuações se seguram do começo até o fim, mas o longa pode cansar algumas pessoas.
Uma vez que Dois Papas é um filme pensado para a Netflix, a questão da duração não é completamente problemática, já que assistir um filme em casa, com a opção de pausar quando se deseja é sempre um pouco menos cansativo do que assistir ele de uma vez no cinema.
O que importa é que mesmo o filme sendo relativamente longo, ele não é cansativo. Outro ponto importante de Dois Papas é que embora ele seja um filme que fale sobre papas, ele não é um filme religioso, a religião parece ser mais o mote para juntar Bento e Jorge em uma conversa filosófica e questionadora.
Dois Papas é um filme que aborda um fato histórico recente, que humaniza figuras da igreja católica e que passa longe de falar sobre religião, ao mesmo tempo que fala muito sobre questões sociais e culturais. O filme chega a Netflix no dia 20 de dezembro.
Título no Brasil: Dois Papas
Título original: The Two Popes
Diretor: Fernando Meirelles
Gênero: Drama
Nacionalidade: Reino Unido, Itália, Argentina, EUA
Ano: 2019
Duração: 2h06
Elenco: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín, Sidney Cole, Federico Torre