“Ela já sabia, tenho certeza de que sabia, mas os adultos têm dificuldades em acredita, e vou dizer por quê. Quando eles descobrem quando crianças que o Papai Noel é mentira e que Cachinhos Dourados não é uma menina de verdade e que o Coelhinho da Páscoa é enganação (são só três exemplos, eu poderia dar mais), isso gera um complexo e eles param de acreditar em tudo que não conseguem ver”.
Jamie Conklin não é um garoto comum, ele tem a habilidade de falar com os mortos e sabe que eles nunca podem mentir, então, as informações que eles passam são sempre verdadeiras. A mãe dele, Thia, no entanto, pede que ele não conte esse segredo para ninguém.
Logo depois, Thia não só pede que ele lhe ajude a falar com uma pessoa que acabou de morrer, como também conta o segredo dos dois para a namorada dela, a detetive Liz Dutton. Antes que Jamie perceba seu talento acaba se voltando contra ele.
Depois é narrado em primeira pessoa pelo próprio Jamie, que logo na primeira página nos explica que fala do futuro, quando já tem vinte e dois anos e reflete sobre a sua infância. A trama se passa nos anos 2000 e começo dos anos 2010 e segue Jamie começando a descobrir suas habilidades, é difícil determinar que idade Jamie tem quando a trama começa, mesmo porque Depois é cheio de flashbacks, que nos explicam como ele descobriu que conseguia ver e conversar com gente morta, partes da vida pregressa de Thia, o relacionamento de Thia e Liz e alguns outros aspectos da vida e família de Jamie.
A narração de Depois é um dos pontos mais interessantes do livro, porque Jamie narra dos seus vinte e dois anos, mas em muitos momentos, pensa como uma criança e isso faz muita diferença na leitura, o personagem é extremamente crível e não soa adulto. Além disso, o narrador literalmente conversa com o leitor, como se ele estivesse de fato escrevendo para que alguém fosse ler mais tarde. Essa técnica pode ser explicada pelo fato de King deixar claro nas primeiras páginas que Jamie está mesmo escrevendo com a intenção de que alguém fosse ler sua história.
Depois acompanha a história de Jamie, uma criança que desde muito nova sabe que pode conversar com os mortos, King também estabelece cedo que existem algumas regras nesse seu universo: os mortos parecem pessoas vivas, a não ser que eles tenham sido vítimas de alguma morte brutal, e muitas vezes, Jamie nem consegue perceber de primeira que eles estão mortos, eles também não podem mentir. O fato de conversar com mortos não assusta Jamie, que já parece acostumado com a situação, embora já tenha visto algumas mortes terríveis e quando ele conta sobre o seu dom para a sua mãe, ela pede que ele não espalhe para ninguém.
Mas logo ela, que é uma editora de livros, precisa que Jamie entre em contato com um escritor que morreu antes de entregar seu novo trabalho e acaba contando para a sua namorada, Liz, uma detetive de polícia, sobre as habilidades de Jamie. Liz, que a princípio não acredita, acaba voltando a vida de Jamie, mesmo depois que acaba o relacionamento com Thia, para que ele lhe ajude.
Depois é uma mistura de livro policial, já que lidamos com crimes e acontecimentos realistas, especialmente no que diz respeito ao trabalho de Liz, com terror, afinal de contas, ele também trata de acontecimentos sobrenaturais. É bem instigante que apesar dessa situação que é assustadora, Jamie não se sinta especialmente assustado em relação aos mortos que ele vê, pelo menos por um tempo. Nesse aspecto, Depois é um livro bem diferente dos outros livros de King, já que o terror não é muito explicito e nem é jogado na trama logo de cara, a obra tem sim, momentos assustadores, mas que não são exatamente óbvios.
King também cria personagens bem interessantes e repletos de dualidades, Jamie é uma criança, que claro, comete erros, mas não é responsável por nenhuma ação muito terrível, mas Thia, mesmo cheia de boas intenções, é uma personagem contraditória e Liz é uma espécie de mocinha e vilã ao mesmo tempo, o que faz dela uma das personagens melhores personagens de Depois. O livro ainda é cheio de subtramas para além do dom de Jamie, que envolvem amigos, parentes e vizinhos desses personagens, tudo muito bem amarrado e claramente bem pensado.
O livro revisita alguns temas comuns as obras de King, especialmente A Coisa. A ideia, por exemplo, de que Jamie é mais crédulo do que todos os adultos da trama e, portanto, tem mais poder, também está presente em A Coisa, já que só as crianças são capazes de verem Pennywise, porque elas são as únicas que ainda acreditam. O Ritual de Chud também aparece nos dois livros, e existe uma certa semelhança entre a descrição do terror e do “monstro” dessa história com a descrição de alguns elementos de A Coisa.
A escrita é ótima, a escolha por escrever em primeira pessoa deixa o leitor muito próximo de Jamie, o que nos faz, automaticamente, gostar dele. King erra em alguns momentos porque esconde coisas demais do leitor esquecendo que lemos o livro do ponto de vista do protagonista e, portanto, sabemos tudo que ele sabe, por isso, alguns das informações que ele sabe, mas nós não sabemos, soam pouco realistas e é possível ver o mecanismo do escritor por trás da história.
Mas Depois é sim, um ótimo livro, King escreve bem e prende seu leitor em poucas páginas, os personagens são muito interessantes e a trama, embora trate de questões relativamente comuns no gênero do terror, é diferente. O fato de o livro ser curto, ajuda demais, é possível lê-lo até em um dia.
Depois é um livro com poucos personagens e poucas páginas, mas que passa sua história com perfeição.
Título no Brasil: Depois
Título original: Later
Autor: Stephen King
Tradução: Regiane Winarski
Gênero: Terror, Thriller
Ano de lançamento: 2021
Editora: Suma
Número de Páginas: 192
Foto: Fernanda Cavalcanti
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